Poema sétimo.

do alto da impossibilidade
deste mundo que ainda não conheces
escuta-me se conseguires:
quando nasceres enche os pulmões todos de ar e respira
longamente
esteve a vida toda à tua espera

que saibas que mal te segures de pé
irás aprender um desporto
porque é preciso que desde cedo conheças a luta dos dias
e o gosto quente da vitória
mas que será um desporto colectivo
para que entendas que em nada se vence sozinho
senão na morte

não queiras crescer
não deixes que te tirem os teus superpoderes
não deixes que te convençam que não os tens
não escutes o que te dizem
sobretudo não faças o que te dizem
as pessoas não sabem de nada mas estão tão
convencidas que sabem de tudo
mas escuta a tua mãe
porque a tua mãe tem sempre razão

rodeia-te dos bêbedos e dos loucos com os seus cães
se quiseres aprender a doçura e a verdade
mas não preocupes a tua mãe
porque a tua mãe conhece
as histórias dos bêbedos e dos loucos e dos cães

lê só o essencial
é preciso cuidado com a tentação das palavras
não te deixes apaixonar por poetas
por tudo não confies nas palavras

a vida é cruel
é preciso que to digam já
mas não tenhas medo
quando o chão te faltar
será só porque voas

dá o teu coração a um desconhecido
mesmo que um dia o venhas a perder
escuta-me: ganha-se sempre mais do que se perde
mesmo quando a dor chega
e chega quase sempre
o coração é muito maior
pergunta à tua mãe

viaja sem saber para onde
e deixa uma marca por onde passares
porque por vezes é preciso regressar
pelo cheiro da terra molhada
no meio da escuridão

rodeia-te de amigos mas
não esperes nada de ninguém
não esperes a justiça, a liberdade, a solidão
é preciso correr a conquistar tudo
não queiras a complexidade de pensar
deixa isso para os outros
contenta-te em sentir
procura as coisas simples
não percas tempo

atenta na cor da lua
o toque de uma mão na tua
a imensidão da música
os pés na relva e o riso de quem nos quer bem
o cheiro e o calor que ficam depois do sexo
não precisas de contar à tua mãe
ela sentiu tudo

um dia sobre o sol de Sesimbra
quis chamar-te Blimunda, imagina,
mas tu és celeste e por isso todas as estrelas são tuas
não procures o céu. Tu és Celeste

quis-te desde que te conheci
mas foi só mais tarde que entendi
que tu não eras para mim
se ao mundo pertencias
a tua mãe

(e a palavra fez-se carne.
cobrir-te de significados, engravidar-te de palavras e fazer-te sorrisos como quem faz filhos.)

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