O respigador tirou-me fotografias e disse que eu ficava bem de braços cruzados. Eu pensava que o respigador era um fotógrafo. Depois viu-me a olhar em maravilha para as paredes e disse-me que era respigador, explicou-me o que é e o que faz um respigador. As paredes estavam cobertas de imagens e recortes de jornal sobre o Estado Novo. Mães, esposas e noivas de Portugal, se tendes o vosso homem em casa, a Salazar o devem, mostrem a vossa gratidão, votem em Salazar. Homens de Portugal, se não foram para a guerra, a Salazar o devem. Vós, ó portugueses da minha geração, que como eu não tendes culpa nenhuma de serdes portugueses, insultai o perigo. Também o Almada, o Pessoa, o Sá-Carneiro, o futurismo. O respigador disse que estava a fazer um documentário e que o cenário ajudava os entrevistados a recordarem melhor. A fotografia do Salazar estava virada de pernas para o ar, junto ao mapa peninsular do império colonial português. O respigador contou que muitos dos documentos que ali estavam eram originais e deixou-me sentir debaixo do dedo a assinatura de Salazar a atribuir funções a António Ferro. Eu não sabia quem era António Ferro mas fiquei admirada na mesma. Depois o respigador disse que Salazar nunca teria autorizado o euro ou a Troika e que, no seu tempo, enviou um general maluco só para garantir que a Troika não vinha. O respigador falou-me ainda da Alemanha e, pela primeira vez, vi um Mein Kampf ao vivo. O respigador disse também que, no outro dia estavam os homens das obras a assar sardinhas com tábuas de uma tipografia e que ele teve imediatamente de as comprar. Disse que era este o País que tínhamos. No fim, o respigador disse que os Portugueses não têm memória, só têm saudade.
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