Se lhes perguntassem, diriam trabalho, conveniência, instrumento, uso. Diriam que não é o que parece, diriam que nenhum laço os prende e que o amor é para os tolos. Diriam não ser aquilo uma relação e, muito menos, significativa, ainda que aguardassem todos os dias por aquele momento e, em todas as despedidas, reconhecessem de antemão mil regressos.
Na saciedade do corpo, despertam as memórias da infância, os pecados tão bem escondidos, o que nunca se disse a mais ninguém. Descobrem no toque da pele um do outro todos os mistérios e metáforas de que são feitos mas rejeitariam qualquer espécie de intimidade. Fazem da sua solidão uma coisa dita e partilhada, como quem divide uma vitória tão aguardada ou o desespero de desistir. Talvez ela lhe beije o cabelo se ele adormecer. Ou talvez ceda à possibilidade de ser feliz e lhe permita a boca.
Umas vezes provocam o desejo, noutras é o desejo quem os provoca a eles. Oscilam entre a ternura, que ainda não dominam bem, e a vontade, que é sempre voraz e evidente. Tudo é permitido e tudo existe para ser tomado. É ele quem ajoelha, é ela quem exige.
Ali, podem fingir ser outras pessoas, ela uma espia e ele um radiologista numa missão de risco, quase um casal. Acreditam que todos os danos podem conter-se se estiverem dentro daquelas quatro paredes. Enquanto estiverem ali, o mundo pertence-lhes. Dão-se um ao outro sem medo, sem complexos, sem futuro. Não precisam de tomar conta um do outro, são livres. Ninguém sairá magoado.
No fim, ele regressa a sua casa e ao ridículo da rotina dos dias. Nessa mesma noite, ela escolhe no bar do hotel o homem que a vai foder. Até a eternidade, sendo possível, é provisória.
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