Por vezes é preciso contrariar uma ocupação, enxotá-la sem remorso antes que se instale definitiva. Sendo grande, a minha preguiça não é maior do que o silêncio. Talvez a vida seja de facto uma questão de hábitos, aqueles que devemos manter e aqueles que devemos contrariar. Hoje escrevo com o único propósito de contrariar-me, supondo que alguma razão é já ter razão suficiente. Sou quem escreve para não esquecer, acima de tudo isso, mas penso em ti e reparo que até o tacto, o olfacto, a visão, guardam com mais zelo essa tarefa. A minha lembrança é a dos sentidos e tudo o que sei de ti é de cor, etimologia do coração e pulsar de sangue.
O que escrever aqui hoje, parecer-me-á talvez já amanhã inútil. Não tenho o que ensinar e conselhos é coisa que não se deve oferecer a ninguém. O que é verdadeiramente meu é tudo o que é intransmissível. O que sinto já foi sentido por outros e continuará a sê-lo, o que possa dizer, a mesma coisa. A nossa diversidade é a nossa igualdade. No contínuo do tempo e do espaço, pouco há de novo. Somos de facto iguais e há tão pouco afinal que resista ao tempo, repara. Ocupa-me uma nulidade existencial, uma ideia sacrílega de que tudo o que vale a pena não está aqui. António Lobo Antunes a dizer que quem não fode não pode ser bom escritor e eu a dar-lhe razão, mesmo que se esteja a referir ao Fernando.
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