Sem querer, referindo-se a outra coisa, resumiu-me assim o sentido do peito, a mesma serenidade a que se abandonam os náufragos, mais tarde que cedo. Era o coração ao largo, a explicação que sossega as noites pelo simples facto de se poderem finalmente explicar. Não te convoco mas tens regressado, discreta mas evidente, presença mais completa, o que se diz da omnipresença. Entras-me pela noite adentro como quem volta atrás por ter esquecido as chaves ou um beijo e, quando a manhã me desperta, o dia é novo. De novo. Alucino, não repares, mas é na loucura que melhor me encontro, precipício de todas as moradas que valem a pena.
Num segundo a vida muda(-nos). Usámo-nos de todos os tempos verbais. Trocámos as voltas ao destino e por um momento fizemo-lo refém. Nosso. Ainda sorrio sempre que lembro como o enganámos bem. Como nos amámos bem. Hesitei na palavra, mas é a verdade e não há que ter medo do amor, talvez só da verdade. É também assim que sei. Enquanto sorrir.
Recuso-me a impôr limites à felicidade, aprendi contigo o truque. Não quero contar as vezes em que fui feliz. E, porém, o corpo sabe. O corpo, essa fronteira, sítio de atravessar. Espaço de cercos e conquistas, derrotas e rendições, até que a natureza se dome e se possa chamar casa. Aprende, aprende o meu corpo. Toma-me a boca porque entre um sim e um não, há um talvez que se sustem. O mais bonito do silêncio é, afinal, as possibilidades que lhe cabem. O que quero não é o que espero, o que escrevo nao é o que faço. Somos todos uma luta entre quem somos e quem queremos ser. Existimos no conflito de sermos possíveis perante o que é impossivel. Somos esse conflito.
E, todavia, há histórias que se começam e se acabam no mesmo dia e outras que são de repetir todas as noites no embalo dos filhos. A história repete-se, a vida não. Meu amor, o futuro são memórias por fazer.
2 comentários:
marisa, um texto bem malhado.
via, muito obrigada. Lembraste-me que tenho um blog.
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