Ler a história é diferente de ver a história que, por sua vez, é sempre diferente de viver a história. Sem querer, a história entrou-me pelo quarto de hotel adentro, em Kiev. Chegada ao destino, apercebi-me que me esquecera de reservar hotel e escolhi um à pressa e sem grandes critérios. Calhou que fosse este o icónico Hotel Ucrânia e só entendi a dimensão de tal acaso quando me vi dentro do quarto, já em frente à praça da Independência, prostrada aos meus pés.
A história é sempre uma versão da história, do mesmo modo que um mapa nunca chega a ser o território. Haverão sempre de faltar-lhe riachos e declives, árvores e pedras, a maravilha de existirem sentidos que nos tornem humanos, caminhantes, dizentes, sentintes num espaço e tempo irrepetível. Quase também como tu. Desato a escrever sobre ti e nunca te alcanço, és sempre outra coisa, alvo em movimento, rio que não desagua e só sabe fluir, ir com a corrente. Eu, observando à distância.
A história que me contaram ou a que assisti, indiferente, entre os episódios do jantar não foi a mesma que encontrei em Kiev e, se é certo que somos um ponto imperceptível no universo, com milhões antes e milhões depois de nós, e que não há bocado de chão que não esteja manchado de sangue e morte, reconhecer que isto não se passou nem há quatro anos assombrou-me.
Durante mais de três meses, reuniram-se naquela praça. Durante mais de três meses, resistiram. Fizeram do hino a sua oração e da liberdade, religião. Durante mais de três meses, lutaram por uma ideia. É Maio de 2018 e eu estou ali onde tudo aconteceu, sangue debaixo dos pés.
São orgulhosos do seu feito. Por todo o lado, há uma bandeira da União Europeia ao lado da bandeira da Ucrânia. Sinto que quase lhes devo um pedido de desculpa.
(vale muito a pena ver o documentário Winter on Fire)
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