E porque é que só sei gostar, perguntou-se examinando as bolhas de gás pegadas à parede de vidro, porque é que só sei dizer que gosto através dos rodriguinhos de perífrases e metáforas e imagens, da preocupação de alindar, de pôr franjas de croché nos sentimentos, de verter a exaltação e a angústia na cadência pindérica do fado menor, alma a gingar, piegas, à Correia de Oliveira de samarra, se tudo isto é limpo, claro, directo, sem precisão de bonitezas, enxuto como um Giacometi numa sala vazia e tão simplesmente eloquente como ele: depor palavras aos pés de uma escultura equivale às flores inúteis que se entregam aos mortos ou à dança da chuva em torno de um poço cheio: chiça para mim e para o romantismo meloso que me corre nas veias, minha eterna dificuldade em proferir palavras secas e exactas como pedras.
António Lobo Antunes, Memória de Elefante
Se puderes, torna-te simples, exacta como uma pedra.
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