Ver escritas as palavras. Lê-las. Essas que foram para ser ditas. Num sussurro. Que foram para quase não ser. Que rastejam por baixo de outras. Escondemos-las, calamo-las. Só de vez em quando reaparecem em qualquer corpo, palavras inocentes de serem tão escondidas, não argumentam nem respondem, mostram a intimidade de cada parte de um homem, as partes: como lhes chamava meu avô, são palavras indubitáveis, sem enigma, não se pergunta: o que é? diz-se o que é. São palavras que dão ao corpo o seu peso, a sua vida simples, que dão ao corpo outro corpo, digo: caralho, e é como se me mostrasse, tem o efeito de um gesto, agarro no cabelo daquele gajo, aproximo-lhe a cabeça do caralho, e digo: chupa, e ele chupa, e diz-me: gosto do teu caralho, depois vestimo-nos, o corpo desaparece e nós esquecemo-nos, cada um vai à sua vida. Se lhe dissesse: chupa-me o pénis, começaria a rir, um pénis não se chupa, disseca-se, analisa-se no teatro anatómico, pénis já é uma doença. Há palavras que não precisam de ser lembradas, cuja presença se chama silêncio, têm a vida pujante da omissão, de vez em quando olhamos o outro e pensamos: não estás a dizê-la, e ele sabe.
in Suite e Furia, Rui Nunes
(diz-me, diz-me com nomes)
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