Ainda não é o fim nem o princípio do mundo calma é apenas um pouco tarde.

Há pessoas que constroem toda a vida sob um único mal-entendido. Há quem viva aprisionado numa esperança como outros sobrevivem de passado. Olho-os, oiço-os, e vejo tudo o que não quero para mim. Respiro, mas já não sei se de cansaço ou de alívio. Não são de vidro apenas os telhados. Há fundações tão ténues que ruiriam no menor sopro. Há quem se meta a jeito. Eles, por exemplo, enquanto avançam com duas pedras na mão como quem parte para uma batalha. Insistem na discórdia quando seria tão mais fácil escolher a paz. Nem necessitam já de um pretexto digno de servir de pretexto, qualquer palha lhes chega e ter cão ou não ter resulta no mesmo. São uma bomba-relógio. Não sopres. Pergunto-me como aguentam. Como aguentaram. Se aguentaria eu. E, porém, somos sempre o decalque imperfeito que só reconheceremos mais tarde, já tarde.

Não conseguem perdoar. Não conseguem falar. Não conseguem escutar. Seria uma conversa de mudos se não o fosse de gritos. Sofrem. Levam décadas de um mal-entendido. Recalcamentos que não expurgaram, desilusões que se acumularam, e também humilhações, orgulhos, egoísmos, sacrifícios que ninguém notou, esforços que ninguém notou. Dia onze e já estava a plantar a sacho. A fugir de socapa do hospital para vir fazer o jantar. O dinheiro que não cai do céu. E, um dia, a bomba explode. Então as dores guardadas em caixinhas misturam-se e confundem-se até perderem sentido. São um caos de caixas reviradas sob a mesa, são as dores ainda em agonia, mas já sem vergonhas, tudo à mostra, sangue e nervo. Um rol de acusações a pesar sobre acusações como quem disputa um sofrimento. Tu é que devias ter cancro. Cegos, que pela sua cegueira não se conseguem colocar no lugar do outro. São pessoas infelizes perdidas num labirinto. Perdidas de si. Apenas tinha perguntado se gostariam de ir a Itália. Agora entendo a convicção da sua sentença. Nesta casa, o melhor é estar calado. O silêncio seria melhor arma de arremesso. Ao menos o silêncio só gera silêncio.

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