É sempre um espetáculo a que não me consigo furtar por mais que me inquiete. Antes não era assim e isso é o pior. A proximidade traz clareza. O tempo acentua. Esta é a mesma mulher, a mesma pessoa. A mesma minha mãe, digo para mim, de olhos baixos. A doença, as sequelas, o tempo, tornou tudo mais demorado e isso vê-se e ouve-se à hora de jantar. Sopra a sopa – que eu também como, sem precisar de soprar – uma, duas, três vezes antes de levar a colher à boca. Sopra com um esforço que se ouve. Uma, duas, três vezes. Demora a terminar, deixei de ser a última. Bebe também com esforço num gole demorado e contínuo. Respira com esforço. Vê com esforço. Anda com esforço. A vida vem-na esforçando desde que nasceu e ela esforça-se. Esforça-se, sobretudo, para não (vir a) ser um estorvo. O tempo pesa nas decisões, pesa na memória, pesa nas prioridades. Pesa, sobretudo, no corpo. E pesa sempre demais.
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