Como um cão que sabe que o que foi amor não reconhece o esquecimento.

São sempre imensos os escombros que nos formam, descabidos os atalhos, tão profundo o que é não-dito no que se diz. A memória faz pactos à nossa revelia. Cabe-nos depois decidir, de forma mais ou menos consciente, o que é de revelar e de ocultar, o que é jogo de descoberta e até onde consentimos quem se embrenha em esforços de arqueologia. Por vezes assomam vestígios à superfície. Hoje, por exemplo, não me lembrei do que preferias esquecer.
 
Naquela tarde não te contei igualmente que The Great Gatsby faz-me necessariamente recuar a ti e às tantas noites a ouvir Together dos The XX. Em loop e num volume provavelmente exagerado para aquelas horas da madrugada, entre demasiados cigarros e a garrafa que acabava cedo. Era uma fúria e um embriagamento de escrever e, para mais, poesia. Tu nem sabes que esta é das imagens mais nítidas que guardo da minha estadia em Londres, aquele canto da sala, o vício do fumo e da tristeza, a anestesia nos programas do Jeremy Kyle. Tu ainda não tinhas ressuscitado e eu também não. Um coração partido é uma merda, essa é que é essa. Mas, ao menos, fez-se disso alguma coisa e as palavras sempre são terapia mais barata. Não se deve desperdiçar a dor. Por isso, quando me perguntaste sobre o que era o The Great Gatsby respondi, com excessivos atalhos que tu dispensarias, que era sobre um homem, agora milionário e excêntrico, que reencontra o seu grande amor de juventude e percebe que o dinheiro não é tudo. Não obstante a expectável evolução positiva dos mercados, nada a ver connosco, portanto.

Sem comentários: