Quem te viu ainda te vê.

A casa parece-se finalmente com uma casa e isto pouco tem a ver com a arrumação dela. É preciso habitá-la, dar-lhe gasto, impregná-la de cheiros, esforços, memórias. Hoje foi o dia em que entraste na tua casa e te deitas no sofá bebendo ginja com propriedade. A tua casa tem história. A tua casa é tua. Todavia, trata-se de um pormenor logístico, burocrático. Quem te conhecesse saberia que a este sentir não é alheio o facto de termos hoje jantado. Entro nos teus olhos grandes como quem entra em casa, à moda de poema e, se a poesia não servir para nada, que sirva para falar ao menos dos teus olhos. Falávamos da descoberta da amizade, da liberdade que a sustenta e, até nisso, és rara. Haverei de insistir que nunca conheci ninguém assim. As amizades, poucas, aconteceram-me e nisso tomo apenas uma parte pragmática e não-pensante. As amizades revelam-nos. Há algo de muito belo na consciência da amizade e acredito que talvez seja isso o que de mais valioso possamos deixar, essa marca em alguém. É uma pergunta que me coloco demasiadas vezes, como cobradora oportuna. O que te deixei, o que te deixo? Será a carência que me devolve o foco ou é esse estado de crítica reflexão que mo exige? A conversa não era sobre mim e, apesar disso, traço paralelos que me apaziguam. São ciúmes, isto? Talvez não seja assim tão avançada. Quisera eu ter-te mudado a vida, um ímpeto de salvadora da pátria a que não me esquivo por costume e feitio. Quisera eu trazer-te algo, por mais fugaz que fosse. Mas, a casa. Eras tu.

Sem comentários: