Olha aí: então agora não me toca.

Não achei que pedisse demais ou que fosse despropositado. Nem sequer ia com outras intenções senão essa de te abraçar o corpo, a despedida antes do sono. Seria natural, pareceu-me. Mas, de imediato o embate brusco e incisivo, como quem reage a uma ofensa, e perdi ali logo a noite. Recolhi à beira da cama para dali não mais sair, protegida de tentações, não fosse adormecer e, instintivamente, dar por mim a aproximar-me do abismo que é o teu corpo. Caíria mais depressa para ti do que para o chão, que é o mesmo que dizer que mal dormi, presa a essa ideia perigosa do merecimento. Eram três da manhã e estava eu a pensar no idiota do João e na Ana Sofia. Abençoada Ana Sofia. O idiota do João que insistia no argumento inocente de merecer, ele que estava a dar tudo, ele que fazia tudo, e por isso tudo merecia. E eu, que desprezo o João e o que ele representa – na investida, dedicação desmesurada de ridículo; na rejeição, de orgulho ferido, a clamar que quem não quer é ele, pois que estar perto dela é tóxico –, eu ali a ser João e a irritar-me com isso, a ter pena de mim por isso, a não conseguir dormir por isso. Porque eu também merecia. Até o cão recebe mais carinho do que eu, doía-me por essa hora. E se aquela pessoa era eu, e a outra eras tu, como pode ter sido esta ocasião tão diferente daquela outra, há uns anos, é certo, onde foste tu quem disse “estava a ver que não” sobre a minha mão ausente e então encontrada, como quem espera e se apazigua na certeza do meu toque. Era outro quarto – na tua vida, em que quarto habito agora? No forçado silêncio da noite, alentei a tristeza, mas garanto que não a procurei, aconteceu-me. Não digas que a culpa é minha. Eu só procurei um carinho. O carinho, como quando o beijo era artigo definido e, por isso, nosso. Achei que merecia, foi isso. Não se mede o amor, mas eu sou uma mulher que quer tocar e ser tocada. Tocar para crer. Tocar para querer.

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