Do céu, Lima tem cor de terra e de pó. É só quando se embrenha nela que se distinguem todas as outras cores, mescla de ritos, histórias, ruas. Lima é muito grande e é muita coisa. É o parque Kennedy e os gatos abandonados do parque Kennedy, mesmo que não se entenda porque haveria de levar um parque numa capital sul-americana o nome dum estadista não-sul-americano, uma estranheza que só se encontra pela mesma proporção de haver quem tivesse um dia achado razões para se abandonarem à sua sorte os gatos do parque. Lima é o malecón, os casais a passearem a vida na calma e na brisa do malecón, e é o parque do amor no malecón, os casais a sonharem a vida no esperançoso e colorido do malecón. É também os seus bairros, Miraflores, San Isidro, San Miguel, Callao e uma cultura bairrista que forma e define a cidade e que é tão presente quanto os murais que a habitam, seja pelo Papa Francisco, pelo alcaide, pelo amor de Rosita, ou tão-somente porque ali vale a pena educarem-se os filhos, fazer-se gente. Tudo se anuncia e se vende. Até a felicidade. Lima é a poesia decadente e boémia de Barranco, as fotografias lânguidas do Mario Testino, o calor nos corpos despidos e a beleza de se ser mulher num país de homens. Em cada parede, uma oportunidade, seja para reflectir ou apenas para ver como se podem fundir tão bem o passado com o futuro. Embora isto, soubéssemo-lo já tão bem eu e tu, amor. Lima é buzinar por desporto, por tudo e por nada, porque sim e porque não. É fazer de qualquer carro um táxi, haja vontade e dinheiro, uma mão que buzina, outra que chama, e um destino comum. É as centenas de autocarros, os combis e os colectivos, apeadeiros e pregoeiros, se aquela princesa não anda, só desliza, estes não param, só pausam. Lima é a praça de armas, claro, mas também os muros altos, as grades, os seguranças à entrada dos prédios, dos bancos, das escolas, dos restaurantes. É também o pisco sour no Hotel Bolívar, o mate de coca e as folhas de coca, a quinoa, a Inca Kola, o ceviche e as sanguecherias, o aji de galinha, o bife de alpaca ou o lomo saltado com a Cusqueña, o odor nauseabundo do mercado nro. 1 de Surquillo, aquela senhora a vender empanadas calientitas no Parque de La Reserva. Lima é aquele cheiro, aquele som, aquele saber e sabor a mar pacífico e hipnotizante com que não contava, vai-se pelo aroma a ouriços-do-mar e fica-se pelo barulho das pedras a rolar debaixo das ondas, num encontro que bem poderia simular o amor, melhor vai-vem que nos pode acontecer. Ninguém vem a Lima de propósito, é sítio de ir e partir. E, porém, Lima é grande, muita coisa.
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