Não tenho memória de me ter acontecido antes tal coisa, se é que acreditas. Posso até adiantar que me senti um pouco envergonhada por aquela palavra adiantada. Afinal, pior do que não saber medir a fundura das palavras, é não lhes respeitar o tempo. Aquela, não sei ainda hoje como isto me aconteceu, acordou rebelde e fugiu de casa. Juro-te que não lhe dei licença. Por isso este embaraço. No nosso contexto, no tempo verbal que se nos apresentava, nem faria nenhum sentido, esgotado há muito o vocabulário. Depreendo portanto que estava escondida algures num canto escuro do peito, esperando a sua oportunidade, a puta. A palavra apareceu-me na boca sem que a convocasse e quando dei por ela, já era tarde. Senti-a a desenrolar-se debaixo da língua, confesso, a materializar-se em arrependimento à velocidade do som, mas foi mais rápida do que a sombra. Estava dita e já estavas tu a corrigir-me. Eu, que lhe sou alheia, que nem sei de onde veio, ouvi e calei. Esclareceram-se logo ali as esperanças que nem sabia ter, determinada a extensão do nosso futuro como quem enterra uma faca. Nós não temos uma relação. Ponto.
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