A minha mulher não é minha, é da cabeça dela, mesmo achando que sim, não precisa de mim, isso é o que me agrada nela.

Não tomas responsabilidade na minha obsessão e é justo que assim seja. Não pactuas com expectativas e obrigações, nunca foste dessas pessoas gerais. Seria pois quase previsível, se é que algo em ti o possa ser, que duvidasses do tão convincente “tornas-te eternamente responsável por aquilo que cativas.” Criei eu este exagero, pois que o gira eu. Contudo, não deixo de pensar se é possível à parte separar-se do todo, se pode o sujeito ser estrangeiro ao sentido de uma existência que o próprio determina. Sangue, carne, nervos, o coração bate e sente, bate e sente. O que sentes nisto que lês?

Assumo o hábito desta solidão. Vou precisando menos de ti e talvez reconheças o mesmo. É tão fácil o silêncio, tão arriscada uma palavra. E não há abismo mais traiçoeiro do que aquele das pessoas que se querem completar e que se precisam. A tua independência atrai-me como nos atrai aquela dos gatos. No meio do complicado das coisas, procuro apenas o simples, é importante que o saibas. Bastava-me tão bem o simples. Conta-me do trivial. Não sei se aguentaria agora a excitação do que se prolonga pela madrugada e o seu universo de perversas possibilidades embora a lembrança seja sempre doce, fico já feliz com as conversas cansadas. De como te correm as refeições e de como te esmeras no ginásio, ou de como te enervam os preconceitos e as injustiças. Não me tragas assuntos profundos, há cada vez menos mistério. Mas é primavera, a tua estação preferida, e quero saber de ti.

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