No outro dia, ocorreu um vislumbre do futuro. Estavas distraída e nem reparaste ou reparaste e assentiste sem dizer palavra, surpresa no mesmo assombramento que eu reconhecia, calada e por demais atenta aos movimentos da tua boca. Bebíamos sangria enquanto declamavas poemas a pedido. Eram cinco da tarde ou era o ínicio de uma ilusão, confundo-me com facilidade. E eu tive ali a impressão, amor, um vislumbre, que aquilo que nos acontecia já não se inscrevia no tempo vivo dos desassossegos, mas desafiava até as mais elementares teorias de tempo e espaço. Era o futuro a acontecer-nos, clarividente e sem aviso. Só isso explica a facilidade e o aconchego de vermos crescer o mar e o dia sentadas lado a lado enquanto o teu gato subia para a mesa e tentava roubar-nos o pequeno-almoço ou a carícia, aquele que chegasse primeiro. Foi um vislumbre mas, garanto-te, parecia-se mesmo muito com o futuro.
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