Uma vida inteira só no verbo estar.

Como ele escreveu, era uma questão de haver mar. Uma questão de enlouquecer. “O lugar onde nada se cria, tudo se transtorna.” Nada acontece aqui. Aqui é um lugar de restos, daquilo que não caberia em mais lado nenhum, bagagens de formato irregular, máquinas de lavar podres e já sem tambor e colchões manchados de nódoas para os empregados da Câmara levarem a custo no dia quinze de cada mês. Aqui, o insuportável. Seja por excesso ou por défice, embora esta distinção pouco importe uma vez que o que nos falta é o que mais nos pesa, santa ironia. E o pior é que a utilidade das palavras é sempre dúbia. Quando foi a última vez que as tuas palavras lhe deram tesão, por exemplo? Tinhas tanta orgulho disso, como se fosse o maior prémio literário a que poderias ambicionar. Quando foi que lhe trouxeram paz e certeza? São, na sua maioria, equívocos dispensáveis, desperdícios a que limpar as mãos no fim do trabalho. Hoje em dia estou ocupada a estar. Não é um verbo simples, pede tudo. Era isto ou a vida.

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