Sabe enumerar todos os presentes que lhe “di”. Os de fazer na escola, os dos anos e os das festas. Vai buscá-los e mostra-mos com cuidado, ainda impecáveis, quase todos por estrear. Sabe que está a envelhecer. Solta um “credo!”, com uma entoação que me faz rir de familiar, para se referir ao espanto com que encontrou uma parenta no último funeral, que está “velha, velha, velha”. Está a ganhar medo. Confia-me o local do tesouro, panos, fotografias, aventuras em que ainda se quer meter, tristezas ainda por resolver e que a apoquentam o sono, um intervalo que medeia entre a novela e a cama em que se deita sozinha quando o gato anda fora às gatas. Quer deixar tudo dito, tudo pronto, tudo em paz. Diz-me que por vezes, à noite, dá por si a chorar. E eu, mal-educada para os afectos, não sei o que responder-lhe. Olho-a como quem ouve. Oiço-a como quem ampara.
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