Prisioneiros do Outro


"Um Encontro de dois: olhos nos olhos, face a face. E quando estiveres perto, arrancar-te-ei os olhos e colocá-los-ei no lugar dos meus; E arrancarei meus olhos para colocá-los no lugar dos teus; Então ver-te-ei com os teus olhos e tu ver-me-ás com os meus." (J.L.Moreno)

Mudando o Foco, Bianca Repsold
"Tudo que sabemos é uma impressão nossa, e tudo que somos é uma impressão alheia" (Fernando Pessoa)
Uma nova amiga, que muito me alegro de ter "descoberto", presenteou-me há uns tempos com uma carta repleta de reflexões e questões profundas. Quem me conhece, sabe que poucas coisas me tocam tanto como aquelas que têm o dom de me chegar à alma e ao coração. Gosto, por definição, de ser provocada. A pensar, a sentir, a viver.

Escrevia ela que há todo "um sistema que nos coage a seguir determinados padrões", pelo que vivemos muitas vezes amordaçados "a fugir dos nossos desejos, desejos e manias. Tudo em prol do definido, daquilo que nos traz mais segurança e tem maior poder de integração".

Revi-me completamente nas suas palavras, porque também eu tenho esse "contentamento descontente", essa "ânsia de libertação". Sim, acredito que somos, inexoravelmente, prisioneiros. Prisioneiros do meio em que crescemos, da época em que nascemos, do nosso contexto biográfico. Escravos da normatividade, das aparências, das nossas crenças e medos, das expectativas dos outros, até de nós próprios. Ousar ser diferente é demasiado difícil. Escolher outro caminho é arriscarmo-nos a ser marginais na sociedade. Às vezes pergunto-me porque é que ainda nos preocupamos tanto com a visão que os outros têm de nós. Pergunto-me se haverá alguém que se sinta inteiramente livre.

Não ambiciono ser só mais uma, a comungar em verdadeiro "espírito de rebanho". Acredito que não existe só um caminho possível, não existem etapas obrigatórias (o "está na altura de"...), não existe o certo e o errado. O caminho é teu. Só teu. E, só por isso, deve à partida ser diferente do caminho do Outro.

Acredito que a vida é mais estimulante e inspiradora por isso mesmo – na medida em que pressupõe outras hipóteses e possibilidades (a relatividade de tudo!), em vez de um círculo fechado, sem alternativas, sem sonhos, sem realização. Deveria bastar isso, ser-se fiel a si mesmo, deixar de ser essa impressão alheia para passar a ser uma certeza nossa. Mas, nunca é assim. Ainda nos preocupamos muito com a roupa que vestimos (que tem de ser de marca e adequada à nossa profissão e estatuto), com as coisas que temos (casa, trabalho, família...) ou não , com as pequenas loucuras que fazemos, com o que os outros podem dizer. Somos uns verdadeiros reprimidos de nós mesmos...Ainda assim, sei que também eu continuo presa ao convencional, porque também eu tenho patamares que quero atingir. Atrevo-me a dizer que falta-nos a nós, escravos inconscientes, a coragem de sermos livres.

Preso em Ti, Rui Pedro Queirós

Representamos constantemente muitos e variados papéis sociais. Será que não passamos de uma encenação para o mundo?

1 comentário:

Alice disse...

Cada vez me convenço mais disso, sim, que não passamos de uma encenação para o mundo. Quantos de nós não fingem ser o que não são por comodismo, por repressão, pelas exigências da sociedade? Enfim...