Que a flor desperte.


Não sei lidar com a morte ou com a iminência dela. Nas duas mortes mais recentes da família - os meus bisavós - nem fui ao funeral, apesar deles me serem muito queridos. Nem fui ao cemitério ainda (porque é que cá os cemitérios não são como nos filmes americanos? Verde, cruzes brancas, harmonia?).
A minha mãe não sabe, mas é ela o meu maior orgulho. Não corre para o hospital à menor constipação (apesar de dever fazê-lo!). Não é uma coitadinha, daquelas que só sabem lamentar-se da sua triste sina...E, no entanto, já esteve na iminência da morte e eu, alheada de tudo, nunca tive consciência disso. Até ao dia em que fui à dentista e a mulher começou a chorar ao perguntar pela minha mãe. Até ao dia em que disseram que o Féher poderia ter morrido devido a uma embolia pulmonar. A minha mãe sobreviveu a uma embolia pulmonar. A uma paragem cardíaca de demasiados segundos. À trombose que teve mal o meu irmão nasceu. E às inúmeras tromboflebites que lhe povoam as pernas, apesar da sua terna idade (40 aninhos), fruto de uma anomalia rara no sangue, porventura, hereditária (sendo que, depois de testes feitos, eu tenho mais probabilidade de a ter do que o meu irmão). Às vezes esqueço-me da sorte que tenho de a ter...
Pelos vistos (só soubemos hoje a meio da tarde. Que raio de família esta, a do meu pai!), a minha avó sofreu ontem à tarde um AVC. O segundo da vida dela, este muito mais forte. Esta avó nunca me foi muito próxima. E tal como noutras ocasiões, fiquei estupidamente normal quando recebi a notícia. Começo a pensar que sofro de uma qualquer deficiência (e lembrei-me d' "O Estrangeiro" de Camus que não chorou no funeral da mãe e, consequência indirecta disso, foi acusado do seu homícidio...). Mas hoje, na hora da visita, ao vê-la completamente impotente (não fala, mal abre os olhos, está entubada e tem o lado direito paralisado, as próximas 48h são fundamentais para avaliar as lesões), completamente tão desamparada, tão só (também ela tem a coragem de viver sozinha há mais de 15 anos, quando morreu o meu avô), senti-me tão, tão triste. E, obviamente, não soube o que dizer ou o que fazer senão estar ali a olhá-la na esperança de que ela me reconhecesse. Podia tê-la visitado mais antes disto tudo, visitá-la todas as semanas, sem pretextos, como faço com a minha outra avó. Vendo bem, nem sei assim muito da sua vida, nunca conversámos sobre nada importante, nunca tomámos chá à hora do lanche...
Hoje temo ter perdido demasiadas coisas, demasiadas oportunidades e demasiado tempo. Nunca saberei lidar com acidentes, doenças, hospitais. Hoje...sinto-me muito cinzenta. Hoje sinto já a falta da minha avó.

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