O Amor é Fodido


"Quanto mais vou sabendo de ti, mais gostaria que ainda estivesses viva. Só dois ou três minutos: o suficiente para te matar."

É assim que começa o romance de Miguel Esteves Cardoso - O Amor é Fodido - e que acabei de ler há dias. O nome é...apelativo (quantas vezes o não pensámos já?). O livro é...estranho e ao mesmo tempo magnífico. Tanto encerra pura poesia, daquela que se tem de ler mais que uma vez de tão bonita que é, como pura ordinarice, com muitos nomes à mistura, capaz de colocar em estado de choque o mais santo dos puritanos! :) A f-word aparece vezes sem conta, sem falsos moralismos, sem medos, palavra muito física e vivida, porque como bem diz o autor a respeito do "fazer amor", "as pessoas usam muitas vezes o nome do amor em vão".



De um modo muito resumido, conta a história de um homem que se apaixona para sempre pela "mulher mais bonita e a mais má que há no mundo". Uma mulher cruel, que não se importa de ofender e de magoar, uma mulher atípica e, por isso, assustadoramente irresistível. Vivem um amor que não cabe neles, que os ultrapassa e que, num momento surreal, os conduz a uma situação de duplo suicídio. No último momento, ele amedronta-se e não engole os comprimidos. Viverá o resto da vida com o peso da morte da amada sobre si. Procura-a noutras mulheres mas nunca a encontra. Arranja namoradas, mulher, amante, filho. A vida é só uma sucessão de dias sem ela. E, então, descobre que ela não morreu, mas que está por aí, à solta, sem se importar com ele. Descobre, inclusivamente, que ela, cabra como é, dormiu com o filho dele e casou com o seu melhor amigo. Amam-se de tanto se odiarem. Odeiam-se de tanto se amarem. Terminam enfim os dias juntos, num lar, a constrangerem os outros residentes com relatos ordinários de tempos idos... :)



Embora não seja o meu livro preferido do MEC (gostei mais de "A Vida Inteira"), gostei especialmente do habitual humor sarcástico e inteligente e do foco que o autor coloca em alguns pontos como o facto de o amor e o ódio serem sentimentos tão poderosos que não se podem separar ou a dureza dos amores eternos que, de tão intensos, culminam sempre em morte ("Não aguento mais viver assim.Eu amo-te de mais/ É doentio. Eu também./ Vamos casar. Mais valia morrer. Vamo-nos matar, então./ Estás a falar a sério?/ Alguma vez me viste brincar?"). Porque será?



Gosto de livros assim: intensos, apaixonados, de extremos. Que não é morno, mas a escaldar, a fazer doer, a fazer sangue. :) Deixo-vos com algumas citações do livro na esperança de que se atrevam a comprá-lo.


"Apaixonei-me num momento desprevenido. Estava a ver um jogo de futebol, ela meteu-se à frente do televisor e, em vez de lhe dar um grito, não reparei, pela minha saúde, fiquei ali especado a olhar para ela. Um minuto de exposição foi quanto bastou. Não se pode olhar muito tempo para raparigas bonitas sem este género de merdas acontecer."

"Por estas e por outras estarás sempre eu contigo e tigo com mim."

"Eu gostaria tanto de amar-te. Quando te tomo nos meus pensamntos, vai a noite escura ao largo da gente e das árvores, e eu penso que a minha alma te pertence. pudera eu, meu amor, ou lá o que és, que pudesse pertencer a alguém."

"O que custa mais não é tanto lembrar - é não esquecer. O que é que se faz com o que nos fica na cabeça, quando já não há nada a fazer?".

"O mundo inteiro é muitas vezes muito pouco, para quem não está à procura de nada."

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