Snow Cake


Não sou doida por blockbusters. Pelo contrário. Já descobri há muito que às vezes se encontram verdadeiros tesouros entre aquilo que não é tão consumido. Snow Cake é um desses tesouros. Autêntica pérola sobre o autismo (de que eu sabia quase nada) e sobre a natureza humana.


Trata-se de uma história relativamente simples. Do poder das amizades inesperadas, de mundos ditos incomunicáveis que afinal se tocam, de pessoas que descobrem em si uma força que desconheciam, de demónios interiores que se exorcizam. De diferenças e semelhanças. No fundo, trata de cada um de nós.


Uma das três personagens principais do filme é um forasteiro, Alex Hughes (o grande Alan Rickman, que não deveria ser só recordado pelo papel em Harry Potter!) que, relutantemente, aceita dar boleia à jovem alegre e descontraída Vivienne Freeman (Emily Hampshire) até à sua casa em Wawa. Aspirante a escritora, Vivienne aproxima-se de Alex com a crença de que, já que ele parece tão solitário, deve ter uma boa história de vida para contar. Mas, tragicamente, ela não chegará a casa. O carro onde seguem tem um acidente, do qual Alex escapa ileso e Vivienne tem morte instantânea. O resto da história passa-se em Wawa, com Alex a tentar redimir-se de uma culpa que lhe pesa, ajudando a mãe autista de Vivienne, Linda, a preparar o funeral. De facto, a personagem chave desta história é, inquestionavelmente, Linda.


Linda Freeman (Sigourney Weaver) vive num mundo diferente do nosso, um mundo estranho e obsessivamente organizado. Ela não é louca nem anormal. É tão-somente diferente e, por isso, especial. Tem autismo. É fascinada por coisas que brilham, consegue combinar números com extraordinária rapidez e habita um universo de extrema precisão que não permite infacções ou sujidade. Contudo, tem uma enorme falta de empatia pelas pessoas ditas normais, que, no fundo, só a querem ajudar. Aliás, a sua primeira cena é deveras constrangedora e pode até parecer fria e despreocupada porque, nessa altura, o público ainda não tem a informação de que ela é autista. Como reagiriam se, na posição de Alex, fossem dar os pêsames à mãe da pessoa que levavam convosco no carro e ela se limitasse a dizer, sem denotar qualquer emoção pela morte da filha há duas horas atrás, qualquer coisa do género: "Ah, está bem, não faz mal"?


Mais tarde, percebemos que ela é mesmo assim e que tais atitudes não representam de modo nenhum uma ausência de emocionalidade mas antes uma forma diferente de experienciar os sentimentos (veja-se a sua cena de dança no dia do funeral). De facto, uma das coisas que torna o desempenho de Weaver memorável é o facto dela levar à personagem de Linda uma veracidade tal, que devia até ser premiada por isso. Uma Weaver como nunca antes vista! A sua actuação não está muito distante do Rain Man de Hoffman, digo eu. Além disto, a sua personagem parece carregar em si tanta lógica que, somos nós, tal como Alex, quem se começa a sentir um pouco burro e a questionar as coisas sem sentido que fazemos. Afinal, porque é que não podemos sentir a mesma alegria que, quando crianças, tínhamos ao brincar na neve? Porque é que é inapropriado fazer palhaçadas num trampolim? Porque é que lutamos tanto para apagar certas lembranças e esconder certos passados?


Um destaque especial ainda para a personagem de Maggie (Carrie-Anne Moss), a vizinha de Linda que vai ajudar Alex a encontrar-se a si mesmo. Carrie aparece magnífica, lindíssima e com uma sensualidade que não lhe conhecia. Acho que, de tantos Matrix's, a minha percepção desta actriz foi influenciada. Mas, ainda bem que entra neste filme!

Na minha opinião, o filme mostra também Rickman no seu melhor. O seu humor sarcástico, ao contrário da comédia física, aproxima-se mais da vida real, repleta de ironias. E, não sendo propriamente um filme para rir, existem ao londo do filme falas deveras engraçadas como quando Linda compara comer neve a ter um orgasmo ou quando Maggie pede para dispensarem o jantar porque ela não gosta de ter sexo de barriga cheia.

Como já referi Snow Cake é um filme muito pessoal e não um blockbuster. No entanto, são poucos os filmes que, tal como este, conseguem enriquecer o modo como nos vemos a nós próprios e o modo como lidamos com a diferença. Recomendo vivamente.




3 comentários:

GONIO disse...

E em que sala é que este filme está?

Marisa disse...

Imaginando que seja de Lisboa, poderá vê-lo na Lusomundo do Vasco da Gama ou no Millenium Alvaláxia.

Alice disse...

Espero que passe brevemente na tv