Tempo Nosso

O tempo perguntou ao tempo quanto tempo o tempo tem e o tempo respondeu ao tempo que o tempo tem tanto tempo quanto tempo o tempo tem.

Falamos do tempo como algo de objectivo, mecânico, controlável. Afinal, a nossa vida mede-se em anos. Os nossos dias regem-se pelas horas que já foram ou pelas que ainda hão-de vir. Somos escravos dos minutos que nos escapam. Reféns dos segundos que tudo mudam. Basta um instante.


Há quem nos exija tempo e há quem reclame do tempo. Quem não tenha tempo. Outros, que o fazem. O fazer tempo, triste e irónica expressão para quem o tempo escasseia, aqueles que têm os dias contados.


Há tempo que dura uma eternidade e nunca mais passa. Pelo contrário, momentos há que nos fogem por entre os dedos, quais grãos de areia. Sempre, quando mais os queremos guardar. E há quem não tenha já a noção do tempo, que esqueça memórias e histórias. Não há dúvida de que somos todos pessoas a prazo e cadáveres com prazo. Um intervalo indeciso entre dois extremos: o nada e o nada.

E é por isso que o tempo é de cada um e não cabe em medidas de dias, noites ou anos. Porque tu fazes do tempo o que quiseres. É uma construção só tua, íntima, única. É também por isso que não há tempo no encontro da tua boca com a minha. Contigo é nunca. Contigo é sempre.

1 comentário:

JAM disse...

Muito bem tirado este texto, Marisa. Bonito, sim senhora!
Gostei em especial deste pedaço:
"...somos todos pessoas a prazo e cadáveres com prazo."
Muito bom, mesmo