Carpe Diem

Ler algo, seja num livro ou num blogue, de alguém que conhecemos pessoalmente não deixa de ter o seu quê de exploração psicológica. Tentamos mais afincadamente descobrir o sentido das suas palavras, certos de que haverão de ter algum sentido, confiantes de que haverá ali algo de auto-biográfico. Sempre fica uma ponta ou outra. Vamos então tentando encaixar as peças, fazendo a ponte com aquilo que sabemos de facto ou que imaginamos. Procuramos o que está por debaixo. Por vezes surpreendemo-nos: a pessoa que lemos não é afinal a mesma que conhecemos. Ou, simplesmente, nunca conhecemos ninguém tão bem quanto julgamos. Pode porém suceder também o contrário, termos noção de que não conhecemos o autor na realidade e, ao ler as suas palavras, verificar que o conhecemos desde sempre, pois reconhece-mo-nos nelas.

"E o seu corpo, juro, tem todas as marcas que o meu tem. Como o sei? Ela conseguiu expô-lo na sua arte, eu vi-o e vi-me. E li tudo o que escreveu, num dia de ânsia, devorei-a como ela jamais poderá imaginar, arranquei toda a sua casca, também sei por onde puxar, e descobri-me, frágil, dentro dela. Cosi-a de novo e afastei-me. Não sei o que fazer agora que me descobri neste corpo.
(...) Até porque, para mais, ela não é apenas eu. É tudo aquilo que eu gostaria de ser. É o meu ser em potência. Tem a força, a arte, o talento, a vida e até o estilo que eu gostava de ter. Sinto-me uma miniatura, uma amostra, um rabisco, um rascunho, um zigoto inviável. Como se tivessem pegado no meu ser e o tivessem plantado noutro corpo (semelhante ao meu) e ele tivesse germinado em força sem a minha vergonha e insuficiência. Odeio-a por ser o que sou e o que não chego a ser."

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