Casais Improváveis

Gosto de casais improváveis. Prefiro-os até aos casais perfeitos que serão sempre mais entediantes, mais limitados na sua semelhança de gémeos siameses que não se deslargam. Um casal improvável é uma Barbie que não quis um Ken, um menino rico que se apaixona pela empregada moldava e iletrada do pai, um actor famoso pelo seu corpo perfeito que cai de amores pela vizinha gorda, Romeus e Julietas que assim vão desafiam os (pre)conceitos e regras idiotas da sociedade. Nestes casais parece-me sempre haver mais verdade, daquelas verdades despojadas de razões, verdades que o são porque provêm do âmago daqueles amantes improváveis, porque tiveram a disponibilidade e a vontade para verem. Além de.

Ontem encontrei um desses casais a assistir ao concerto. Olho-os como se olha coisa fantástica e tantas vezes irreal, como se na minha ignorância e incredulidade tentasse descobrir uma prova que os denunciasse, uma razão não facilmente perceptível mas capaz de explicar porque é que uma rapariga como aquela escolheu um rapaz como aquele.

Ambos são jovens. Ela é loira ou daquele moreno muito claro, tem um rosto bonito que inspira uma serenidade imediata, uns olhos grandes que um dia o viram a ele e uma boca apetecível de vermelha, que lhe confere uma sensualidade inesperada em tanta paz. Parece uma Catarina Wallenstein. Talvez se chame Catarina ou Ana ou Maria ou Laura, um nome assim, simples, sem outros nomes a acompanhar porque se basta já naquele que é. Não tem um corpo magrinho, não é o corpo perfeito que os media tentam impingir, mas também não é aquilo que se chama de gorda. Tem curvas de mulher Eva, que sabe realçar na roupa que escolhe habitualmente para vestir. É alta e traz um vestido branco, justo, que lhe assenta de um modo divino, e que ela escolheu porque sabe que lhe fica bem. Fica-lhe um pouco acima dos joelhos, limite imposto à imaginação mas que esta salta sem dificuldades maiores, e dá-lhe um decote na medida certa, aquela que não mostra tudo mas mostra o necessário, aquilo que no fundo medeia um decote ordinário e gratuito e um decote decente e sensual. É um vestido sem mangas, sem qualquer estampado ou outra cor senão o branco. Os sapatos vermelhos compõe o quadro - parece uma Dorothy saída de Oz, uma Lolita ou uma daquelas fadas que se passeiam nos bosques mais verdes dos teus sonhos.

Ele é magro e de aspecto fraquinho. Também alto, usa uns óculos pequenos e rectangulares que, em conjunto com os pêlos que se dispersam livremente pelo seu queixo, lhe dão um aspecto geek. Pende-lhe da cabeça um cabelo escuro, grande, cheio de caracóis e que lhe vai caindo para os olhos. Poder-se-ia facilmente supor que está a tirar uma qualquer engenharia informática, que combine com os seus dedos longos e frágeis. Não é o tradicional tipo bonito. Veste umas calças de ganga escura e uma t-shirt preta, onde sobressai a branco "Nine Inch Nails" (atrás de mim, um jovem irritante e que não se cala comenta com a namorada que, pelo nome, deve tratar-se de um grupo alemão). Arrisco dizer que lê BD, Nietzsche também. Parece um jovem despreocupado, sem drama maior do que a feia borbulha que lhe aparecerá no nariz.

Repare-se então: ela, de uma beleza invulgar sem ser evidente, atraente sem dúvida, cobiçada certamente; ele, de uma fragilidade que desponta ao primeiro olhar, hesitante na sua manifestação de ser. Nasce-me uma curiosidade premente e inevitável - pergunto-me do como e do porquê, ignorante de mim que tenho de achar ali uma razão.


E o curioso de tudo, contrário ao que seria de esperar, é que é ela quem constantemente o puxa para si, lhe conta segredos ao ouvido e aproveita para lhe mordiscar a orelha. É ela quem lhe mete as mãos nos bolsos de trás das calças e o procura para um desejado beijo. É também ela quem brinca com os caracóis dele, em traquinas voltas com os dedos. É ela que o deseja. E, em tudo isto, ele parece despreocupado, quase ausente, e responde aos seus beijos sem determinação ou aparente vontade.

Até no seu comportamento este é um casal improvável.

5 comentários:

JAM disse...

"Veste umas calças de ganga escura e uma t-shirt preta, onde sobressai a branco "Nine Inch Nails" (atrás de mim, um jovem irritante e que não se cala comenta com a namorada que, pelo nome, deve tratar-se de um grupo alemão). Arrisco dizer que lê BD, Nietzsche também."

Claro que são alemães....Lê-se niNEEH in chinelos.

E diz-me só uma coisa, agora pelo ar das pessoas vê-se que "consomem" Nietzsche? Será que eu também tenho esse ar? LOL

Marisa disse...

Hmmm, assim a olhar para ti de repente diria que sim...tens cara de quem lê Nietzsche. :p

JAM disse...

OK.....pronto....mas não entendo a comparaçao....será que tenho cara de louco?LOL

Marisa disse...

Louco? :p Não, não tens.

É um exercício interessante: olhar uma pessoa e tentar descortinar interesses de leitura.

Da mesma forma, sucede-me muitas vezes o contrário: quando vou à livraria fico a observar o que as pessoas levam e a tentar daí retirar possíveis e breves conclusões. Sou uma autêntica voyeur. :p

JAM disse...

uuuuuuuuuh...não te conhecia essa face...LOL