Corres-me no sangue, sinto-te na língua

"Em mim há todas as contradições - e só assim se explica que te deseje com este excesso que a distância torna em ferida e ao mesmo tempo com todo o amor e ódio de todos os homens por todas as mulheres, amor feito desta intensa espera de te penetrar e redescobrir, mas também de angústia, receio do definitivo; de infinita ternura, mas também de pânico, ou do espanto da abertura para a morte que é aniquilação no outro.
Agora posso dizer-te, agora sim, como te quero. Corres-me no sangue, sinto-te na língua, nas mãos, no sexo, no cheiro, nas contracções do estômago, no tremor de todo o corpo, arredondas-te na noite que me envolve, reconheço-te até no tempo em que não te conhecia, na aspereza dos chaparros e no seu drama, na lua-cheia de Outono, cor de laranja, nas folhas pisadas como as tuas pálpebras, sinais de ausência, lareira de veludo (tão longe!) montanha em chaga que não se deixa escalar."

Urbano Tavares Rodrigues,
Fuga Imóvel

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