A Menina da Lua em Quarto Crescente

Lá no alto, vês? Não notas a sua sombra? Deixa-me contar-te melhor.

É ruiva, cor invulgar até para quem vive na Lua, e tem longas tranças que lhe tocam os pés frios, e que gosta de fazer e desfazer para entreter o tempo que lhe cabe. Tem um cabelo de Rapunzel por onde querem subir os sonhadores, que julgam não a magoar quando mão após mão se suspendem no seu cabelo. Acreditam que ela é mágica e que é por isso que não grita quando, com força, se agarram àquelas tranças.

Tem uma carinha inocente e, embora parecida com aqueles que vê lá embaixo, sabe-se diferente dos outros. Não sabe bem o que é ou porque só aparece ali em determinadas noites do mês, sempre crescentes, mas já sabe que não é anjo porque um dia viu um e a ela faltam-lhe as asas.

Está nua mas não o sabe, nunca ninguém lhe contou, e livres pêlos arruivados povoam-lhe o púbis, numa mata virginal. Quando chegam olham-na com deslumbramento mas nunca ninguém lhe contou porquê e assim ela acha-o natural.

É um trabalho que ela não escolheu mas de que se habituou a gostar: canta. Sentada, reclina-se na curvatura da Lua, joelhos flectidos e canta, brincando com os cabelos. São canções desconhecidas e em nenhuma ocasião iguais e ela canta-as como se nada mais pudesse fazer senão cantar. Uma melodia misteriosa e encantada que a todos os que a ouvem deslumbra. É assim que ela os atrai, sabes? Os sonhadores, aqueles que têm a cabeça na Lua. São estes os mais fáceis de cativar, porque já antes a sonharam e viram.

Mas repara como está hoje. Consegues notar a diferença? Sentada a olhar a Terra, uma perna para cada lado, os pés dançando para trás e para a frente, os cabelos soltos ao vento, os mamilos despontados de uma alegria indisfarçável, o sorriso de estrela. Hoje ela toca também. Um sonhador trouxe-lhe um velhinho bandolim na véspera e hoje ela canta e toca como uma mulher nova e renascida. Solta uma luz mais brilhante que ilumina o universo todo.

Maravilhado, outro sonhador aproxima-se.

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