Ping-Pong (Carta Aberta a E.)

Deveríamos ter ficado naquela fase inicial, de quem se olha à distância, tira as suas conclusões e dá as suas bênçãos e basta. Não sei quem começou, provavelmente até terei sido eu. Sou politicamente incorrecta no que respeita a sinceridade. Falo demais e não tenho noção dos limites. Sou bruta nas palavras porque me saem sem medidas, nuas.

Não deixo de achar curioso o modo como me falas - de modo paternalista e como se achasses que me conheces. Dás-me recomendações sensatas, conselhos de quem tem vivido sempre sem limitações, vais-me mostrando a saída gentil e subtilmente sem nunca perderes a compostura ou caíres em deselegância. Mas o que te importa a ti se recordo, se guardo, se escrevo? Não será decerto preocupação comigo, por isso, confia. Repara: eu não existo.

Aliás, se procurares bem, verás que nem antes estou lá. Existi sim mas pouco para tudo o que eu queria existir. Não sou ingrata ou esquecida, sei bem que teria de ser assim. Mas, para todos os efeitos, não há sinais ou registos, não estou em fotografias, em mensagens ou em objectos que ficaram. Nunca estive na partilha pública e descontraída, nos (( )) que todos podem ver agora, contigo. Sempre fui a conversa tabu, a pessoa que nunca teve nome, a história que nunca aconteceu, o embaraço que teimam em ignorar. Apenas a dor que me ficou no peito, as doces memórias que mantenho e o tempo como testemunha me dão a certeza de que acontecemos. Perduramos sempre naquilo que nos transcende.

Preciso deixar claro que não te vejo como um obstáculo ou um desafio. Deves senti-lo melhor do que ninguém, recebes todas as certezas desejadas. O problema nunca foste tu, ou a distância ou a família ou o dinheiro. Seria tão mais fácil e reconfortante acreditar que sim, não te minto. Mas nem nisso me engano já: o problema sou eu e o encanto que se foi perdendo. Logo, não te preocupes comigo. Não estou a competir contigo, não há jogo ou troféu. Sei que este sentido de competividade excita-te, apura-te os versos, cria-te ideias. Tenho-o notado. Mas cuidado, pode ser viciante. Vamos por isso terminar este ping-pong, de quem faz a sua jogada e aguarda a manobra do outro lado. É despropositado e inútil. E duvido que tenha a sua aprovação. Que te parece?

Talvez não devesse ter escrito nada e pronto. Elas dir-me-ão isso, certamente. Não devias, Marisa, não devias. Também pode acontecer a emenda ser pior do que o soneto mas, neste momento, tenho muito pouco (nada?) a perder e, se te compreende e desculpa a ti os textos, há-de compreender-me e desculpar-me a mim esta atitude.

Não vou espreitar ou aguardar ansiosa. Deixo-te em paz. Não mais te lerei, acabou-se para mim o ping-pong. A caixa de comentários e o email estão à disposição.

Cumprimentos,

Sem comentários: