(ab)Usar-te

Andava para te dizer mas depois vieste com aquela conversa de não te poderes afastar nem que para teres a certeza de que estou bem e, fiquei tanto tempo a pensar nisso, que acabei por me esquecer de te dizer. De qualquer modo não é assim muito importante, acho que não ficarias chateada só por causa de uma coisa insignificante como esta. Eu sei que não ficaria. A verdade é que te tenho usado, ainda e apesar de tudo. Não faço por mal mas a verdade é que continuas ainda a ser o meu objecto preferido.

Uso-te quando quero parecer um homem sensível. Elas contam a história do cãozinho abandonado que adoptaram e eu que, tu sabes, não reajo a esse tipo de coisas, chamo o teu nome na minha memória, a beleza do teu rosto com aquelas covinhas que nunca mais encontrei em nenhuma mulher, e assim fico logo com aquele brilhozinho nos olhos. É instantâneo, não perguntes porquê, que nem eu sei. Elas vêem e acham-me sensível. E tu bem sabes como aumentam as nossas possibilidades no papel de homem sensível, é por isso que sei que compreendes. Compreendes, certo?

Uso-te também muitas vezes para as beijar. Não digas que é estranho, não é nada estranho. Lembro-me de como me beijavas a orelha, a tua língua atrevida aí, e faço-lhes o mesmo. Parece que, se quisesses, poderias também incendiar uma mulher. Tem dado resultado comigo.

Isto já é um pouco mais vergonhoso de contar mas, como somos só eu e tu e está já tudo tão resolvido e sem volta, não me importo de contar também: também te uso naquelas alturas. Sim, essas. Quando falta pouco e o esforço delas não basta gosto de te imaginar naquela posição que tu sabes que era a minha preferida. És o meu último recurso e, cada vez tem acontecido mais, não sei o que se passa comigo.

Tenho-te usado na escrita igualmente. Construo os meus textos à tua volta ou daquilo que me deixaste e finjo que tudo é novo, criação de mente sempre apaixonada. Eles, coitados, acreditam e é por isso que os livros continuam a vender. Se soubessem que exististe de facto, que existes aliás, seria mais complicado - é sempre mais fácil quando tudo se aplica a todos.

Não me vais levar a mal, pois não? Se reparares bem, é tudo inocente. Ando a viver à tua conta, a usar-te e abusar-te, mas não me venhas com psicologias baratas só por causa disto. Sei muito bem o que isto é e o que não é. Tenho lá a culpa se continuo a precisar de ti deste modo?

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