Goucha

Parece bizarro e fantasioso mas é a mais pura verdade: sonhei que te casavas. E, o mais estranho, eu estava lá também, imagine-se, com a minha família. Convidados entre outros.
A minha mãe estava impaciente pela espera. Foi preciso explicar-lhe que aí é diferente e que casam ao final da tarde. Descemos então do nosso quarto de hotel para o salão da cerimónia.

Não conheço o noivo, jovem rapaz com cara de trabalhador e bem-humorado. Nunca o vi antes e não me lembro de me teres falado dele. Parece feliz e nervoso, lá à frente, esperando-te.

Veio toda a gente, aqueles que reconheço pelas fotografias ou pelas tuas descrições, os avós, a tia Lu obviamente, os teus primos famosos (mais tarde, ele cantará uma música inédita escrita só para ti) e seus filhos gémeos, amigas da faculdade e aquelas de sempre, o teu pai também. Mais longe, vejo ainda a mulher que casou com o teu primeiro namorado e cujo convite telefónico um dia me aborreceu, vejo-as também a elas, as primeiras, ainda adolescentes no meu sonho, tão iguais entre si, réplicas da Avril Lavigne. E, surpresa maior e tão estranha que só poderia mesmo acontecer num sonho, a E. está mesmo ao meu lado, entre nós apenas dois meninos pequenos, que me parecem ser teus alunos, e que, à vez, advertimos para que não façam barulho. Cumprimento-a com um acenar de cabeça, por educação mas também por vontade. Sinto que a mesma coisa nos une no estarmos ali, no teu casamento.

Na realidade, não me sinto triste, pelo contrário, talvez até feliz. Não sei, é demasiado complexo para te contar do que senti.
E então, chegaste. Não me lembro do teu vestido porque só me consegui fixar no teu rosto de paz e no teu sorriso perfeito. Meus Deus, estavas tão bela! Não como qualquer outra noiva, mas antes como uma rainha segura e elegante. Mas quando chegaste aonde te esperavam e lhe tocaste o braço, algo do teu sorriso ali se quebrou e tive então medo por ti.

Não me lembro da cerimónia toda (sonhei-a sequer?) mas lembro de um momento em particular - aquele em que todos se calam e rezam para que nada aconteça, o do fale agora ou cale-se para sempre. E sei que nesse momento a E. me olhou pelo canto do olho, eu estava de cabeça baixa mas senti ainda assim o seu olhar sobre mim. Confesso que esperava o mesmo dela, ambas desejámos que alguém colocasse fim àquele faz-de-conta, mas ninguém falou. E tu casaste.

Depois voltei a subir ao meu quarto e sei que fiquei lá longamente. Quando desci novamente, dançavas com o teu novo esposo para regozijo de todos, que tanto esperaram aquele momento adiado. A tua mãe, sobretudo, estava insensatamente feliz como nunca a imaginei, um sorriso que não lhe largava o rosto e que ia espalhando alegremente de mesa em mesa, orgulhosa da sua menina. Acho que não me viu, seguramente não.

E quando ia buscar uma bebida encontrei de novo a E. na mesa dos aperitivos, que me interpelou perguntando: e se falassemos do Goucha?
Foi então que percebi que o teu marido se chamava Goucha.

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