Profundamente, rente à pele

Pensava que não virias mais. Antes aterrorizava-me com essa simples, e porém não surpreendente, hipótese. Sei que mais tarde ou mais cedo vai de ter acontecer, é só uma questão de tempo até quando já nem na tua memória subsistir. É estranho, estranhamente estranho, mas a ideia já não sufoca. Primeiro notei, noto sempre quando não paira no ar o perfume doce do teu cabelo que sempre me extasia de vontade. Depois comentei, assim, sem drama maior ou mágoa: haveria de chegar o dia. Estava preparada para que partisses sem mais recado, aviso ou adeus. Já houve tantos, antes e o fim nunca sabes quando é. Seria o momento.

Mas depois ouvi uns barulhos no fundo da casa, senti um cheiro que não sei esquecer por muito que tente e vi que eras tu. E sorri por te encontrar. Se me desses o tempo que fugiu contigo, pegar-te-ia pela mão, sem maldade ou pecado, íamos de pés descalços para uma praia vazia com areia fria a lamber os pés inventar histórias rebuscadas de final feliz, pedir-te-ia conselhos porque tu sempre tens um plano - como se conquista quem nos diz com orgulho que não tem portos de abrigo porque não precisa? - e derrubava-te ao chão com uma rasteira quando estivesses distraída a olhar o mar. Irias então reclamar e rir-te em simultâneo, por muito irritada não consegues não rir da minha ousadia infantil. E vou então olhar-te fundo nos olhos, profundamente, rente à pele, e vou sorrir por continuares aí.





"Te olho nos olhos e você reclama
Que te olho muito profundamente.

Desculpa,
Tudo que vivi foi profundamente...
Eu te ensinei quem sou...
E você foi me tirando...
Os espaços entre os abraços,
Guarda-me apenas uma fresta.

Eu que sempre fui livre,
Não importava o que os outros dissessem.

Até onde posso ir para te resgatar?

Reclama de mim, como se houvesse a possibilidade...
De me inventar de novo.

Desculpa...se te olho profundamente,
Rente à pele...
A ponto de ver seus ancestrais...
Nos seus traços.

A ponto de ver a estrada...
Muito antes dos seus passos.

Eu não vou separar as minhas vitórias
Dos meus fracassos!

Eu não vou renunciar a mim;

Nenhuma parte, nenhum pedaço do meu ser
Vibrante, errante, sujo, livre, quente.

Eu quero estar viva e permanecer
Te olhando profundamente."

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