Festival do Marisco (família)

Nunca fui boa a avaliar idades mas teria idade suficiente para o 5º ano, digamos. Extrovertida e irrequieta, gabava o seu nível de Inglês com a mãe, uma mulher que queria parecer mais nova do que era e que tinha o cabelo queimado do Sol, talvez por isso sem cor definida, e que falava demasiado alto, sobretudo para dizer indignada "olha que bonito!" quando um rapaz, distraído, lhe passou à frente na fotografia de família, ou quando falou das muitas canecas do Festival que tinha em casa, há coisas que convém partilhar publicamente.

Depois havia o pai, onde a menina ensaiava os truques de karaté que tinha aprendido com a amiga na escola e ficavam assim largos momentos, o pai a espicaçá-la, ela a responder-lhe à letra. O pai era um sujeito pequeno mas muito confiante de si, que achava que a "Brandie Charlie" era um homem, camisa desapertada a deixar antever o peito cabeludo de macho que se preza, óculos de sol, sorriso malandro de quem gosta de agarrar as mamas da sua fêmea em público, e já alguns cabelos cinzentos nos cantos, junto às orelhas, que lhe davam uma ponta daquele irresistível charme que um cabelo grisalho pode despertar. Ou talvez fosse porque o seu sorriso me parecia o de um Rui Unas mais velho, e eu gosto muito do Rui. Estavam ainda a avó e o avô, que não pareciam largamente satisfeitos, trazidos de arrasto para não ficarem distantes da sua solidão.

E entre as muitas situações que o bom senso aconselhou a não comentar ficaram-me três: a daquela menina a sugerir um golpe no pescoço de sua avó e dizer para o pai "queres que eu mate a tua mãe?"; a de quando disse com gozo, era gozo, que havia uma fufa na escola, tentando imitar o seu comportamento; e, quando a avó não conseguiu tirar a linda foto da linda família com a recente câmara digital, logo ela, prontamente: "és mesmo burra!".

E custou-me pensar mas acredito que aquela vai ser a miúda popular na escola, que ninguém vai querer irritar, que vai fazer a vida negra a muita gente e que não tem medo algum, porque tem os sagrados paizinhos para a defender, mesmo na mais ultrajável e absurda situação. E um dia a directora vai chamar a atenção dos pais e eles não vão perceber o porquê.

(Tenho tanto orgulho na educação que os meus pais nos deram.)

1 comentário:

Alice disse...

Infelizmente, nos dias que correm, crianças educadas à base da parvoíce é o prato do dia... :s