Preciso de ti porque preciso dela

Não tenho vergonha alguma, dirás. É verdade. Mas não sei a quem mais possa recorrer, por isso estou-me a cagar para as moralidades e as contradições e o que digam e o que possas pensar de mim. Não me importa. E não digas que só me lembro quando preciso, só tu e eu sabemos que não é verdade. Tu sabias que mais tarde ou mais cedo eu voltaria. Pois bem, podes rir-te agora de contentamento, como afinal sempre tens feito, venceste, estou aqui. Não porque és especial mas só porque és o que conheço melhor. Entregar-me-ia a qualquer divindade e a qualquer ritual, basta que me garanta que é possível. Vou com todos, puta que só pensa no que vai ganhar, e podem falar, que me é indiferente. Demasiado desesperada e desconfiada dos teus humores incertos e da tua credulidade no que em mim há de mais sincero, vou mais longe, com medo que me não oiças a mim: peço aos teus servos de sempre, aqueles cujo nome te deveria ser mais querido de tanta adoração, que me ajudem, que falem contigo, que te contem desta dor. Talvez a eles os oiças. Já não tenho vergonha de os usar assim, todos os meios são legítimos.

O mal sempre esteve mas é quando lhe dói que me dói também e logo o pânico de ser cedo demais. Não te atrevas. Não há sentidos últimos a decifrar mais tarde, não tens qualquer justificação que o mereça, escusas de me falar do reconforto dos verdes prados e da vida eterna. Prefiro esta! Pede-me o que for preciso. Não tenho medo desde que me garantas que é possível. Sempre gostaste tanto de sangue! Por isso tinha de ser sangue, não é? Carne da minha carne, sangue do meu sangue. Tomai e bebei. Só não te chamo os nomes que me apetece agora para não blasfemar, podias levar a mal e eu só quero a tua compaixão. Faço trocas e acordos contigo, como fazem quase todos, se isso quiseres. Diz-me o que queres. Mas tira-lhe o peso, entranhado nas pernas, da morte. Liberta-a e toma-me a mim. Mesmo que ela diga que não e que está bem e que não é preciso, não importa. Preciso de ti porque preciso dela. Preciso dela porque a amo. Tenho medo agora. E não tenho vergonha.