Muito mereces (a new beginning)

Durante largo período estiveste de cabeça baixa perante ti própria, uma vergonha que não querias admitir e que às vezes era resignação rendida e noutras pouco sérias tentativas de te convenceres de que não falhaste, assentes em resultados e conclusões ligeiras. Tentavas animar-te sobre o vazio imaginando as possibilidades: uma boa decisão, irreflectida para ter um gosto especial, um acaso que acontece, uma recompensa inesperada - algo te viria a salvar; foste sempre forçando a pressão do vazio com uma esperança cada dia mais trémula e um medo cada dia maior de ser esmagada. Sucede-te ocasionalmente, quando os papéis pesam e tu não chegas para os preencher, também te veres a pensar assim: talvez também ser distante, uma ilha, nómada de todos, nada a apresentar e a pedir, basta de deves e haveres. Às vezes tens medo de não notar as raízes que se dizem fundas, de te permitires ausentar sem tristeza, partir e não mais te importar. Medo de saber que consegues e do que isso significa. Na realidade, a mesma desilusão de que ela falava, mas em sentido inverso agora. Talvez não tentes para te furtares à certeza que sempre dói.

Longo tempo foste repetindo a ladaínha piedosa dos vivos-mortos, o vai-se andando, que até náuseas te causaria se as pudesses sentir. Sempre foste mais tolerante quando és tu e também mais exigente quando és tu, como em tudo, a balança pende para o lado que mais lhe aprouver. Indignavas-te com a tua própria desnecessária tristeza e cuspias sobre a dor donde não brotava sangue, afinal, tanto mundo a haver e tu lá, imersa em ti e no teu obscurantismo, estás assim porque queres.

E então sucedeu. Tudo de uma vez, para que não restem dúvidas: conseguiste. Voltaste ao caminho. E agora já podes levantar a cabeça sem hesitar, deixar-te de merdas e provares, não aos outros mas a ti, que és capaz, sorrir e acreditar que foi mais ou menos por causa daquilo que ela disse: muito mereces.

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