Deus é uma cobiça dentro de nós

"A certa altura, lê-se que 'Deus é uma cobiça dentro de nós'. Há uma vingança sua?

Tenho um fascínio muito magoado pela religião e pelo catolicismo, mas tenho um respeito profundo pela imagem do Cristo. Ainda ontem, numa sessão de leitura de poemas, disse que me considerava mais cristão do que a maior parte dos católicos. Porque a maioria não distingue entre a Bíblia - um arrazoado de textos que disparam para todos os lados - e a palavra de Cristo. Quando na Bíblia, se diz 'e Cristo disse', o que vale a pena é o que vem a seguir. Tudo o que possa ser polêmico - se a Maria era virgem, se apareceu uma pomba, se existiu Maria Madalena, se ela dormiu com Cristo - tudo isso é um faitdivers, é telenovela da Bíblia. Mas em relação ao que o Cristo disse, não há normalmente polêmicas. São valores consensuais, verdades ou sentimentos tão humanos que não tens que os interpretar de outras maneiras. A religião, sobretudo o catolicismo porque é o que conheço, precisaria de uma honestidade, uma higienização, uma instituição que tomasse conta da defesa dos valores de Cristo, sem reprimir com base na Maria ter sido virgem. Aquilo é mentira: os padres dormem com as empregadas que têm dentro de casa, outros são homossexuais que dormem com quem encontram no café, os papas usam Prada, o Vaticano está cheio de tesouros, são uns vendilhões do templo. A igreja como instituição assusta-me e revolta-me, a figura histórica do Cristo merecia muito mais. Ainda que tenha morrido em vão, o facto de ter acreditado que morria por nós é suficiente para ser respeitado. A minha espiritualidade tem a ver com isso: o respeito por mim e pelos outros. Nesse aspecto, estou na mais profunda sintonia com Cristo. Aborrece-me que a igreja funcione invariavelmente como uma rolha que vai fechando, e o melhor que sabe fazer é pedir desculpa por algo que fizeram há cem anos atrás. Frustra-me que o lado mais atempado da igreja seja o pedido de desculpas. "Pedimos desculpa por termos excomungado o Oscar Wilde." Agora? Oh senhor, o Oscar Wilde a esta altura já conhece os mistérios divinos todos!

O que sobra na velhice é a crença divina, a corrida às santinhas?

Acho que somos quase impelidos a isso, a não nos lamentarmos porque foi Deus que nos escolheu e a acreditar que encontraremos as pessoas que perdemos. É uma forma de amenizar essa dor. Tem de ser obrigatoriamente mais fácil morrer se se acredita na transcendência. Há muita gente idosa que entra naquele frenesim das missas diárias, para que Deus veja, nos pratos da balança, que a virtude ganhou. Somos educados para comprar o céu."

entrevista a Valter Hugo Mãe, aqui

2 comentários:

Papoila e Orquídea disse...

Ai se o valter te vê a usar o nome dele com maiúsculas! Repara que ele não as usa, nem sequer no seu nome. Pronto, não sabias, estás desculpada;)*

Marisa disse...

Ainda o estou a conhecer agora, é perdoável. :)