Fode-se mal na literatura portuguesa

Falam mal e, como tu próprio disseste, "fode-se mal na literatura portuguesa". Tens uma explicação para a nossa disfunção literária?

Disse isso porque era verdade. Fode-se muito mal, mesmo. Com muitas metáforas, com metáforas de mau gosto, muita falta de jeito. Não há, digamos, uma queca como deve ser... O problema é a falta de jeito para lidar com a crueza das coisas. Não achamos poesia nas coisas do quotidiano... Sabes, eu acho que o melhor era não se escrever sobre sexo. Chegava-se ali e tal, voltava-se a página e deixavam-se os personagens a foder, entretanto. O Português de Portugal é pouco maleável, não tem aquela musicalidade malandra, doce e amarga, picante... A tradição portuguesa de escrever sobre sexo acaba por desembocar no grotesco, no grosseiro, ou no absolutamente irrelevante. Há autores que também querem explicar aos leitores onde fica o clítoris, como é que se faz a coisa. Isso ainda é pior. E a falta de jeito para construir cenários para um episódio desses, então...

Achas que os brasileiros "trepam" melhor?

Sem dúvida. Rubem Fonseca, por exemplo. É muito cru, mas absolutamente delicioso, poético e obsceno ao mesmo tempo. Vê a quantidade de mulheres com quem anda o Mandrake, em "A Grande Arte"... E ele arranja sempre qualquer coisa de sensual para escrever sobre cada uma delas - até, imagina, sobre "a veia subclávia", sobre o tornozelo, sobre Bebel, a mais gordinha de todas (e, portanto, a que fode melhor)... Mas o problema é que o sexo está banalizado, tudo tem de ter sexo. Com essa banalização desapareceu a ideia de pecado, de transgressão, e sexo sem pecado, sem interdito, sem perversidade, não vale, não dá ponta.

entrevista de Francisco José Viegas a João Pereira Coutinho, aqui

1 comentário:

FAQ(er) disse...

"O Português de Portugal é pouco maleável(...)"?
O barro também se torna pouco maleável se o deixarmos secar. No entanto, se lhe soubermos pegar e juntar a quantidade certa de água, um pedaço de terra pode dar à luz uma bela obra de arte.

Não se fode mal na literatura portuguesa nem em qualquer outra literatura, já agora. O que acontece é que, em todas as línguas escritas, há autores a palrarem do que não sabem. E se expressões como "a veia subclávia" são exemplos de escrita erótica que estimula a leitura há algo de incomensuravelmente depravado (de um modo doentio) em quem assim o afirma.
Já agora, quando se fode com as palavras, fode-se para leitores de ambos os sexos. Dizer que "não dá ponta" é uma redução algo machista e, francamente, uma expressão idiota nascida das bocas dos intelctualóides que acham que conseguem ser obscenos com eufemismos para tesão.