Love song for no one: Sesimbra

Sinto o coração quente, magoado, muito próximo da boca , não um momento mas um acumular que começa a atingir o insuportável - e quanta prudência há que ter nestas ocasiões. Para (re)pensar a minha vida ou talvez para não nela mais pensar, que pensar faz-me sempre mal à cabeça, pego no carro e rumo a Sesimbra. A Sesimbra que eu amo e que sempre me traz de volta o foco daquilo que importa, que me embala no seu modo vagaroso de assistir a vida e me liberta para novos recomeços. Um dos refúgios que gosto de cultivar.

Após o almoço - deprimente ou antes lírico, que almoçar sozinha num sítio assim, a ler Fazes-me Falta e a ouvir acordeonistas a tocar canções de amor como o Bessame Mucho apela obviamente a uma emotividade a que não saberei nunca escapar -, sento-me num dos bancos com vista para aquele mar sempre tão sossegado e transparente e sinto-me extraordinariamente em paz.

A vila vai crescendo, mas continua a ser dos velhos que ainda se tratam pelo nome, sentados em bancos de jardim onde o sol sabe bem e o tempo demora a passar, entretidos a atirar pão aos pombos e aos pardais, que também têm direito, coitados. Um deles, querendo conversa, reclama da vista que já não é o que era, do comprimido para a tensão que tomou de manhã e que o deixou com dores de estômago, pergunta se a reforma já alteou, comenta o Manuel Alegre quase da idade dele a ainda a achar que pode mudar alguma coisa.

E há o compadre de 86 mas que disse ter sete-dois e uma namorada que arranjou na internet, que enquanto um homem está vivo há que ter animação para ir sobrevivendo, foi só dizer que tinha argent e a ele, que só buscava uma, apareceram logo umas vinte. E também a velhinha com casaco que não combinava com o sol quente, chamando-me minha senhora e logo de seguida madrinha e depois a falar do marido quando lhe perguntei das marchas e logo a criança que ali brincava, na sua ingénua crueldade, a informar-me como um aviso da sua loucura: ela não tem ninguém, ela não tem ninguém, está sempre aqui sozinha. E ela indiferente, andando para cá e para lá, cantando baixinho uma canção sofrida e saudosa da cor de um mar triste de Inverno. Ou o homem no café que protesta do sermão do padre no baptizado - como poderia ser possível que uma criança de dois anos tivesse pecados, quem era ele afinal para afirmar tal heresia. E com isto vou sorrindo, sorrindo muito, esquecendo tudo.

E há a simplicidade de tudo, as ruas estreitas e calcetadas em subidas e descidas, com nomes tão fáceis como rua da fortaleza ou escadinhas da delegação marítima. Os restaurantes cada vez mais bonitos mas sem perder o seu ar típico de pescadores de outros tempos. O cheiro do ar, mistura de mar e de serra, a limpeza da avenida, com suas palmeiras e uma califórnia a tentar enganar os distraídos. E o tempo dos Santos dá-lhe nova cor, páteos arranjados num esplendor de luz e de versos marotos, sardinhas e aves de papel que pontilham o espaço, as beatas a enfeitar o adro da igreja, uma animação que se prolonga ao ritmo das pequenas ondas.

Visito o artesanato habitual na fortaleza, passo muito tempo a olhar o mar, perdida como sempre nele, e depois desço à praia, caminhando na areia molhada, lembrando abraços dados ali noutros Verões, e sentindo de quando em quando aquela água agradável a lamber-me em cócegas os pés. Faltava-me isto e regresso feliz com a bênção de um sol esplendoroso e sábio.

Uma espécie de casa.

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