Adoro, adoro isto tudo

"Eu adoro Lisboa, adoro mesmo. Adoro as porteiras cuscas e viciadas em Deus, adoro os polícias de óculos manhoso, e acima do peso, que se acham interessantes e têm fetiches com a própria farda, adoro as ciganas ao pé da minha casa, muito sujas e sem cederem ao cheiro fantasioso dos champôs para cabelos oleosos, adoro as velhas maldispostas que nos atacam à porta dos cafés de Campo de Ourique porque não lhes demos passagem, as mulheres de meia-idade de cabelo armado que copiam o penteado umas das outras, na Lúcia Piloto, os empregados de mesa bipolares, os empregados das livrarias Fnac sempre aflitos e odiando profissionalmente todos os escritores das suas estantes só porque preferiam estar na secção dos discos. Adoro os condutores irritados, os taxistas em Mercedes, bons chefes de família, as meninas das caixas dos supermercados que gostavam de ter nascido betas e fazem voz de beta. As depiladoras brasileiras que tentam viciar as mulheres portuguesas nas maravilhas dos pipis de criança. Adoro, adoro isto tudo, mas jamais, só obrigada, conseguiria voltar a viver nesta terra sem para isso ter de aumentar a minha dose diária de Rivotril.
Um país de esquina."

Mónica Marques, Para Interromper o Amor

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