Procura-te na distância. A intransponível

"Não esqueças que entre ti e tu mesmo vai uma infinita distância, a intransponível distância. Não precisas de usar a palavra deus. Não a uses. Não esqueças que, se bem que haja quem te ajude a viver e quem te ajude a morrer, ninguém igual a ti te pode salvar, porque cada um é a intransponível distância. Nem tu próprio te podes salvar a ti mesmo. Não esqueças que estás todo nessa distância. Que tu és essa distância. Que só te podes encontrar nela e no momento seguinte voltar a perder-te para que te possas de novo procurar, que é a única maneira de continuar a valer a pena continuar. Que os outros só podem fazer com que a distância se torne um abismo de repente ou com que o abismo se transforme numa serena distância. É nessa distância que te encontras, te procuras, por vezes tão só, por vezes numa multidão ruidosa. Não esqueças a palavra, embora não a digas, porque é a palavra com que nada dizes, tudo dizendo ao mesmo tempo, mesmo a intransponível distância. Diz para dentro de ti a palavra, em silêncio, se quiseres, procura-te na distância. Não tens escolha. Se te procurares nos outros perdes-te. Eles são como tu. Não precisas de usar a palavra."

Pedro Paixão, Saudades de Nova Iorque

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