O melhor está nas entrelinhas: amostras

Escrevo-te toda inteira e sinto um sabor em ser e o sabor-a-ti é abstrato como o instante.

Só a realidade me delimita.

Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada.

Lúcida escuridão, luminosa estupidez.

E a única coisa que me espera é exatamente o inesperado.

Não me posso resumir porque não se pode somar uma cadeira e duas maçãs. Eu sou uma cadeira e duas maçãs. E não me somo.

E Deus é uma criação monstruosa. Eu tenho medo de Deus porque ele é total demais para o meu tamanho. E também tenho uma espécie de pudor em relação a Ele: há coisas minhas que nem Ele sabe.

Tudo acaba mas o que te escrevo continua. O que é bom, muito bom. O melhor ainda não foi escrito. O melhor está nas entrelinhas.

Clarice Lispector, Água Viva

1 comentário:

Jéssica disse...

Ah! =)