Este cheiro a terra molhada que lá não há, os cães a ladrarem, a alguma quietude que ainda vai sobrando e que lembra que a vida é breve e o tempo ainda pode ser lento, lembranças físicas e que avivam os sentidos já tão organizados. Lama, botas de borracha, fato de oleado, correr para o abrigo da caneira quando a chuva começa de facto a molhar. O despertador às 6h45, conduzir a carrinha com os homens dentro, prender as caixas vazias, fazer nós, amolar facas, os pneus a escorregarem no caminho, mais um pouco e entramos na regueira, não ensinam desta adrenalina na condução. A marca do Zé e o Café da Manhã, o reboque cada vez mais vazio e uma crescente satisfação de trabalho difícil quase pronto, a bucha às 10, a nossa sempre melhor. E depois carregar as caixas, eles ao ombro, duas por vezes três, tu duas contra as pernas por vezes uma, haverão de ficar marcadas e isso não te incomodará. A contabilização do teu esforço, e descarregar, pesar, lavar, empilhar, mais um dia ganho. Ou mais atrás, cortar folhas aos bróculos, pulverizar quando ainda com pistolas, puxar mangueiras encosta acima, ou depois plantar com as mulheres e aquela dor nas costas que até te sabia bem quando o resultado era visível, antes nada e agora um império de verde. O cheiro do verde. Tractores, enxadas, grade de discos, sachos, frezes, e outros que tais. Ou mais antes ainda, quando com os couvettes, a turfa húmida entre os dedos, e plantar à máquina, tu sempre a falhar, tu a progredir e com a certeza que ninguém era tão rápido quanto nós, farias até de olhos fechados. E, no final, tudo tão certo, uma terra terminada e pronta a crescer. Voltar depois, deliciar-me com os melosos figos ou com as pêras do vizinho, a preguiça com os ramos a tocar no poço e tu e ele a tentarem acertar nas rãs que o habitam. Ou ainda antes, quando eram ainda sacas e as passadeiras rolantes substituíam os empilhadores, o pai punha-te em cima da passadeira e tu eras feliz, ou com o avô a apanhar batatas e flores nos intervalos, ou com o outro avô e o cheiro que dele te ficou quando lavávamos as cenouras no tanque. És da terra. Tens uma história, um nome cheio de memórias e de valores. E este orgulho de seres da terra e ainda conseguires lembrar.
1 comentário:
Tenho memórias semelhantes a estas, com cheiro a azeitonas verdes e dedos enregelados!
É fundamental não nos esquecermos de onde vimos, para darmos mais valor a onde chegámos.
Valorizar a origem pois é ela que nos tornou a pessoa que hoje somos.
Gosto de ler o que por aqui escreve.
Abraço ilhéu
Enviar um comentário