Life Interrupted

Disse, com uma crueza desconcertante de pão nosso de cada dia, que a senhora, velha e cancro no pâncreas, já tinha vivido tudo o que tinha a viver. Quiseste muito sair naquele instante, obrigá-la a repensar a brutalidade do que dissera. O teu avô, velho e cancro no pâncreas, não viveu tudo o que tinha a viver. Um mês em contagem decrescente. Nunca ninguém vive tudo o que tem a viver.

Seguem-se os episódios de picadas, injecções, hematomas, a dificuldade de encontrar a veia. Histórias de café como quaisquer outras, entretenimento como qualquer outro, ossos do ofício afinal. E ainda nesse dia a tua mãe. Uma vez mais, o pão nosso de cada dia, num dia interminável. Mais uma picada, mais uma nódoa, mais uma veia a suster o resto, o pulso enrolado em ligadura para esconder e segurar a agulha. Aguentar mais uns dias e depois esperar. Esperar, esperar, esperar. Não sabem e não precisam de saber. Tu sabias.

Entre o brilhante e o menos brilhante, tu só queres aquele que de facto se preocupa.

Eu não sou injusta. As primeiras impressões é que são.