Esperar sentada

Há muita razão no provérbio. Efectivamente, longe da vista afasta também do coração. Houve o projecto, o exame, as férias, todas as distracções que conseguiste arranjar com o pretexto de essenciais. E serviram. Houve um pequeno esforço, a memória que te puxa, mas serviram. A questão é que hoje não tiveste nada onde te refugiar e a proximidade engole-te em expectativa. Evitaste até à tua impossibilidade mas depois só te restou aguentar e reagir. A culpa é do sotaque, o jeito livre e quente de falar que aqui não há, tens cada vez mais a certeza que será disso. Há qualquer coisa de encantamento ali. Ouves-lhe a voz perto e queres mais daquela voz, cheia de riso e de receptividade, rápida, alta, intensa. Quando ri, desprevenida de surpresa, e lhe fica na boca um sorriso de Keira Knigthley. Índia, de cabelos nos ombros caídos, negros como a noite que não tem luar, a pele morena e a boca pequena que. E o resto é música. Talvez tivesse razão para ter medo e talvez tu tenhas mentido. É muito fácil mentir, mesmo olhando no fundo dos olhos. 
Não foste tu quem escreveu há dias que a (im)prescindibilidade se mede na ausência? Pois então. Aí tens o quanto és imprescindível. Aprende a respirar melhor para que o ar te chegue ao cérebro. Primeiro respira, isso, devagar e longamente. Outra vez. Não mostres a tua pressa, o sufoco de que te acusa. Respiraste? Aceita apenas se for dado. E lembra-te daquilo da sombra, do correr atrás e do fugir. Mais vale fazer figura de sombra, ser eternamente sombra, do que essa facilidade de figura de ursa a que cedes sem respeito. Só agora é que tu irias saber, disseste-o logo no início já numa experiente adivinhação. Pois bem, aqui a resposta que tu temias descobrir. Aproveita-a bem. E sabe que quem espera não alcança. Senta-te, se a preguiça ou o cansaço a isso obrigarem, senta-te se quiseres, mas não esperes.

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