Viagem a Portugal



"(...) Delicado e ao mesmo tempo agressivo, claustrofóbico e minimalista, Viagem a Portugal é aquele tipo de filme que aparece muito de vez em quando em Portugal. É tão bom que, por mais anti-patriótica que esta afirmação possa parecer à primeira vista, nem parece português. Não por ser cosmopolita por natureza, falado em várias línguas e a preto-e-branco, mas por se servir de uma linguagem estética e cinematográfica que poucos se arriscam a usar por cá. Tréfaut arriscou, pegou numa história que, nas suas próprias palavras, não é extraordinária, filmou durante menos de três semanas em meia-dúzia de cenários e fez um grande filme. E Viagem a Portugal não é um grande filme apenas por ser bonito e diferente – é um grande filme porque desafia convenções e ao mesmo tempo conta uma história que merece ser contada, fazendo-o sempre através quer de palavras, quer de imagens, quer de sons.

É, de certa forma, um dos filmes mais puros (e não gosto de usar a expressão, só o faço quando é necessário) feitos em Portugal nos últimos tempos. A essência do cinema está toda neste pequeno grande filme, desde a preponderância da montagem a algo tão Hitchcockiano como um plano que esconde algo que qualquer outro exploraria. A fotografia de Edgar Moura faz o filme ora explodir com luz ora fechar-se em sombra, com um uso da iluminação (principalmente em interiores, nomeadamente nas cenas na sala de interrogação) fabuloso, que resulta num preto-e-branco lindíssimo, sensual e mais expressivo que muitos filmes a cores, muitas vezes a lembrar um filme de Jim Jarmusch ou Wim Wenders. E depois, a complementar toda esta técnica, está um elenco fantástico: Maria de Medeiros arranca apenas uma das maiores interpretações que me lembro de ver nos últimos tempos, sem proferir uma única palavra na sua língua-mãe, enquanto que Isabel Ruth cria um monstro de personagem, que se serve da mais assustadora arma de todas, a falta de humanidade. Já Makena Diop, anda sempre no meio de ambas sem o génio histérico e reprimido mas com uma calma afectante.

Se houvesse justiça no mundo e no cinema, Viagem a Portugal faria o circuito completo de festivais europeus e mundiais – e maravilharia em todos eles. Não havendo, é o tipo de filme – prodigioso, desafiador, diferente – de que o cinema português precisa urgentemente em maior quota. Quando nos deparamos com um filme com esta qualidade, como aconteceu em 2005 quando Marco Martins fez Alice, é difícil não nos enchermos de orgulho e querermos mostrá-lo ao mundo. Antes disso é preciso mostrá-lo a Portugal – e quando tiverem oportunidade de o ver, não hesitem."

crítica do Ante-Cinema

E depois ler o Enquadramento aqui. E aqueles olhos de Maria de Medeiros.

Sem comentários: