O sétimo

Há aqueles assuntos para os quais não há palavras, paradoxo maior, haver tantas palavras no mundo, tantas deitadas fora e outras mais sempre a nascer, e não haver porém nenhuma que te possa servir neste assunto. Para a morte não há nunca palavras, ela vem, mais discreta ou mais apressada, e leva-las todas consigo. Ficar calada não resolve, queres dizer-lhe tudo, queres gritar-lhe que é uma injustiça, que não, não é a vida. Outra ironia, dizer-se “é a vida”, quando o que ali está é o seu contrário, fechar os olhos não adiantará, não prolongues mais o suspiro.

Rapto-te para um sítio distante e para a ideia de uma vida quase possível onde o mal não chegue, espero que o tempo acalme sensibilidades próximas, levo-te comigo como quem pensa salvar-te da crueza dos dias que virão, faço-me refúgio e liberdade e futuro, mas tudo é apenas uma intermitência. Finjo não saber mas sei, finjo esquecer mas sei.

Regressamos e é já o sétimo dia, assinalável especialíssimo entre os demais, mesmo que tu sintas o vazio do oitavo, do nono ou do décimo, mesmo que o mundo, inadmissível, alheio a tudo, continue depois do primeiro, até depois do sétimo. Um dia será melhor, não é ainda o dia, mas o teu choro velado à noite cessará, estarei lá para o acolher. A dor não se fez para a contabilidade dos dias e a continuidade pertence agora a quem foi.

Não me lembro já quem escreveu mas não é essencial que o saiba, o que nos está embutido por natureza é comum e não carece por isso de autor, mas haveria uma frase a colocar aqui e essa bastaria para confirmar o fim, apenas começo do resto. Provavelmente Vergílio Ferreira.

Não havendo a palavra, dou-te o gesto. O abraço. Dou-me-te.

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