What it takes

O problema do conto é não ser uma crónica. É exigir uma história, um enredo onde se segure como um caminho a percorrer, com mais ou menos voltas, com mais ou menos atrasos e acidentes de percurso. É tão difícil criar uma história quando o mundo as dá de bandeja, pensamos que estamos a fazer algo diferente, algo novo, e disso já há, a realidade não precisa de histórias, tem-nas em abundância para todos os gostos e feitios, umas que dão mais vontade de rir do que outras, umas que poderiam ser ficção e nunca são. Já ele escreveu que deus só fez o mundo porque gosta de histórias. O problema é que é preciso construir personagens, nem que seja apenas uma, mas moldar-lhe o carácter e as manias, ser criador e fazê-lo adão reconhecível, do barro ao pó dar-lhe uma forma, um corpo e uma certa maneira de pensar, um passado e com sorte alguma possibilidade de futuro. O trabalho de campo que isso exige! Analisar perfis, conversar com pessoas, observá-las como estranhas que são, uma trabalheira chegar a descobrir-se alguém. E depois o perigo de resvalar para o autobiográfico, tão difícil escapar ao que somos, fazer tábua rasa do quanto nos aconteceu, estavas tu muito bem e quando olhas estás lá tu. A folha branca só inspira inspirados, para os outros é tormento a vencer, inimigo em provocação, o que esperavas. Povoá-lo depois de adjectivos, muitos de modo, outros sem modos nenhuns, embelezá-lo com palavras de dicionário elitista, para agradar críticos e impressionar tolos, ou num estilo simplista, que exiba a nú as tuas raízes sem decoro ou convicção. É muita página, é muita palavra, acho que não percebeste bem ainda a dimensão do que me pedes. É que escrever vem da escrita e a escrita vem do escritor.

1 comentário:

Xu disse...

Conta-me um conto ;)