Mínima, remota e até mesmo absurda

Não é sobre ti mas sobre mim, não é desculpa porque não chega a ser mentira. Terei de passar todas as fases, andar por todos os caminhos, conviver com todos os demónios para que me possam deixar em paz. Preciso muito agora de dizer o teu nome, muitas e todas as vezes, dizê-lo repetidamente e sem medo, como quando se repete muito uma palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, palavra, até àquele momento em que a palavra já não é palavra mas só o som dela. Não sei se lês isto ou se não voltaste aqui nunca mais, compreendo tudo. Não é para te magoar ou para me diminuir, tu conheces-me e eu conheço-te, que nos baste a certeza disso.

Sei o bastante de nós para saber que não conseguimos mais mas, problema meu, sei também o bastante de mim para saber que, ingénua e indisciplinada, não sei afastar a esperança mínima, remota e até mesmo absurda de acreditar. Problema meu, mal meu, sofrimento meu, e temo não conseguir mudar.

Mesmo sendo pelas razões mais contrárias, senti-me uma adolescente hoje – segundo a segundo, não conseguia parar de fazer refresh sobre o email, como quando te conheci, na esperança mínima, remota e até mesmo absurda de acreditar que, talvez, só talvez, me pudesses escrever um email, perguntar de mim, contar de ti. Também não consigo largar o telemóvel, confesso. Mas ontem, como hoje e como amanhã, nada mudou.

É difícil quebrar hábitos, mais difícil ainda reaprender outros. Durante todo o dia quis contar-te, como fazíamos sempre. Queria contar-te como estiveram a manhã toda para me re-configurar o Outlook, contar-te que afinal a conference call foi hoje e eu que estava tão convencida que era ontem, contar-te que, para variar, a I. falou, falou, falou, contar-te com orgulho que vim a pé do trabalho para casa, contar-te que comi um salmão horrível ao almoço que já devia estar congelado há séculos, contar-te que paguei 1 euro e me devolveram 1 euro e 10 cêntimos de troco, contar-te que vi as fotos da tua empresa no facebook e me senti feliz porque vi ali a ideia brilhante que falámos, contar-te que tenho andado todo o dia com a música “Como vai você” na cabeça, porque preciso muito de saber como estás, contar-te que penso precisar de voltar a ouvir o Coração Sertanejo logo de manhã para me animar mais, contar-te que fui duas ou três vezes ao teu blogue só para ler os comentários e saber que ainda sorris normalmente, contar-te que as pessoas têm sido tão amáveis e eu não sei o que fiz para isso, contar-te que elas me deram um coelho e um saco de gomas e eu desatei a chorar, contar-te das saudades, contar-te tudo, tudo como sempre, tudo a ti.

E, nessa esperança mínima, remota e até mesmo absurda de acreditar, desponta o romantismo ingénuo e indisciplinado. Sonho que um dia, quando menos o esperar, me deixas um post cheio de ternura, arrependimento e amor. Sonho que ficas de plantão à espera na porta de minha casa, ansiosa para que eu chegue do trabalho, e me possas dizer com os teus olhos mais bonitos – aquela tonalidade que adquirem quando ficas mais emocionada – e como das outras vezes “eu sou uma idiota, não sou, amor?”, e eu só direi “és” e corro para os teus braços como se isto fosse só um sonho mau. Sonho com os gestos desmedidos e pouco discretos, daqueles que aparecem no final dos filmes antigos e nos enchem de sorrisos e lágrimas de felicidade por uma felicidade que nem é a nossa.

Penso tudo isso e muito mais, enquanto volto para a casa sem a noção de propósito que antes me enchia o peito, eu chegava e dizia que tu eras o meu fôlego e o meu verdadeiro começo de dia. As pessoas dizem muitas barbaridades quando estão apaixonadas mas nem sempre mentem. Penso no teu silêncio e se terás adormecido já no sofá a esta hora, como sempre. Sempre disseste que eu penso demais e estavas cheia de razão.

Os dias passam demasiado devagar. Foi só anteontem. Terás saudades minhas?, pergunto-me muito isso. Lembrei-me daqueles dias em que estive a dar formação no Porto e nunca me deixaste de ligar mal acordavas, inundavas-me o coração de ternura e de saudade. E lembrei-me de quando fizeste mais de cem quilómetros só para irmos jantar àquele restaurante de que ambas gostávamos e que nunca tínhamos experimentado juntas. Nesse dia fizeste-me rainha. Hoje não sei onde estão. É por isso que valorizo tanto as dedicatórias nos livros e não gosto de receber livros de presente sem dedicatória, preciso da marca, preciso de voltar lá àquele dia e saber que existiu. Ainda não te contei também – à tua conta, em duas tardes, anteontem e ontem, li o “Traições” do Roth e hoje comecei o “Abraço”, aquele que na dedicatória tem o teu nome e uma palavra que, dizes, construíste. Estou a gostar imenso, imenso.

Não to digo como estratégia, não sou habilidosa o suficiente para essas coisas. De resto, sei que dramatizo, todos os dias relações acabam neste mundo, mas tenho este vício desconcertante de ser sincera contigo. Talvez me saia o tiro pela culatra, acho que é assim que se diz, mas é pequenez nossa acharmos que temos algo a perder quando, na verdade, não temos nada nas mãos. Pode correr-me tudo mal mas, ultimamente, influências familiares talvez, procuro cada vez mais seguir aquilo do não deixar nada por dizer, nada por fazer.

Cada passo é uma vitória, difícil e dolorosa, como se numa reabilitação. E com cada um, o medo de ceder. E com cada um, a vontade de ceder. Não sei sequer se aquele jantar que, em desespero propus, será uma boa ideia, ando com muito medo de tudo e sobretudo de confirmar tudo. Dizem-me que deixe tudo como está, que continue com a minha vida, que cresça com isto e guarde o melhor de ti e de nós.

Mas depois está lá, mínima, remota e até mesmo absurda. Cada vez mais serei eu também assim para ti.

2 comentários:

T.S. disse...

Um Abraço nosso, Marisa.

Me, Myself and I disse...

Revi-me nalguma destas palavras. Texto maravilhosamente escrito prendeu da primeira silaba à ultima. Beijoc@