Os coelhos de olhos tristes

A minha avó, que diz RS em vez de IRS e que tem de fazer prova de vida para a acreditarem viva, não sabe que é poeta. Fez um verso rimado sobre os sobrinhos que lhe chamam Madame em vez de tia e rir-se-ia na minha cara se eu lhe chamasse poeta. Entre o nosso chá e pão de ló, contou-me das urtigas que cortou, das batatas que tem para escolher, dos coelhos que lhe têm morrido. Disse-me que ficam patetas antes de morrer, que era como se ficassem com os olhos tristes e depois assim ficam, quedos, ainda com a cabeça levantada, como se dormissem em pé. Contou duas vezes dos olhos tristes e achei aquilo tudo de uma extrema e perturbadora beleza. Há mais poesia nos olhos tristes de um coelho do campo do que nas cidades dos pombos.

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