Só aperto o que não sinto*

Usa-se o tempo como dá jeito, para esquecer, para crescer, para poupar, vendo bem o tempo dá para tudo. Há até quem ache que é o tempo que faz o amor, como se fosse uma espécie de evolução ou uma consequência, uma curva-S com introdução, crescimento, maturidade e declínio, tão certinho que até pode ser esquematizado, tão previsível que até satura, o momento entre a maturidade e o declínio e que, falando verdade, também existe.

Há quem espere o tempo para poder soltar o amor. Esses são os que padecem de retenção de amor, vivem contidos e medrosos de si e dos outros, mais vale esperar porque o risco é muito grande e muito mau, mais vale a tranquilidade das tardes e o quotidiano dos hábitos porque o meu coração já não aguenta. 

O nosso amor não é uma evolução mas é um acontecimento, um amor que não se consegue ou não se pode conter. É um amor sem tempo, só com vontades, consome-me a si mesmo em urgência e necessidade, faz ranger dentes e uivar à lua, cria noites e dias dentro de si, num mundo particular e de luz própria. Este amor não se contém, este amor não se poupa.

(*Mia Couto, dizem, na Ler)

Sem comentários: